quarta-feira, 25 de maio de 2011

Acção Administrativa Especial sobre Normas

1. Onde se encontra

Secção III do capítulo II do título III do CPTA, ou seja, dos artigos 72º a 77º do CPTA mais 268º/5 CRP.

1.1. História
Historicamente, existiu sempre uma certa resistência à admissibilidade da impugnação judicial directa de normas administrativas, nomeadamente regulamentos, dado estarem em causa regras gerais e abstractas (o que dificilmente lesaria directamente a esfera do particular) e, primordialmente, os provenientes do Governo, dado o tradicional respeito pela sua autoridade normativa, que, obviamente, são também expressão de opções políticas ou semi-políticas.
Com o reforço de ideias como a de legalidade administrativa e de protecção dos administrados, associadas à verificação da lesividade efectiva de muitos actos normativos, essa resistência começou a desvanecer e balançou entre vários regimes consoante o tipo, a autoria e efeitos dos regulamentos.
Com a revisão de 1997, a CRP consagrou este direito de impugnação judicial directa face a:
- Normas administrativas
- Com eficácia externa
- Quando estas sejam lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, no âmbito da garantia da respectiva protecção judicial efectiva.

1.2. Objecto da impugnação

Presente no artigo 72º/1 CPTA, ou seja, pode pedir-se a declaração de ilegalidade das normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, com fundamento em vícios próprios (ilegalidade própria) ou decorrentes da invalidade de actos praticados no âmbito do procedimento de aprovação (invalidade derivada).
O conceito de norma impugnável aqui é entendida num sentido amplo, incluindo todas as disposições de direito administrativo com carácter geral e abstracto que visam a produção de efeitos permanentes numa relação intersubjectiva, nomeadamente, planos, estatutos, regimentos, etc…

1.3. Pedidos

Existem dois:
a) Pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral que nunca pode fundar-se em inconstitucionalidade directa (72º/2 que remete para o 281º/1 CRP), pois este pedido pressupõe um conhecimento submetido à jurisdição administrativa.
b) Pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto

1.4. Só se pode invocar a ilegalidade da norma a título principal?

Não, nada obsta a que a ilegalidade da norma seja invocada no processo de impugnação de actos que as tenham aplicado, para efeitos de ser obtida a sua anulação.

1.5. Legitimidade

a) Qualquer pessoa que alegue ser prejudicada pela aplicação da norma ou que possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo (basta que a ameaça seja real). No entanto, aqui parece que a lei, além dos particulares, se estende a pessoas colectivas públicas, quando estejam em causa interesses que lhes cumpra defender.
b)  Ministério Público (na defesa da legalidade)
c) Actores populares no âmbito dos valores do artigo 9º CPTA. Aqui assume-se que só se reporta a pedidos de declaração de ilegalidade no caso concreto de normas que produzam efeitos imediatos – Lei nº4-A/2003

O regime varia consoante o tipo de pedido (73º/1, 3,4 CPTA):

Com força obrigatória geral

i) Particulares – só podem efectuar o pedido após a norma ter sido desaplicada em três casos concretos, quer por via principal ou incidental. Podem, no entanto, efectuar o pedido no caso concreto, ainda que três vezes desaplicada.
ii) Ministério Público e acção popular - não lhes é exigida a desaplicação em três casos.
O Ministério Público, se tiver conhecimento de desaplicação em três casos, tem o dever de propor a acção (73º/4) para evitar que normas desaplicadas se mantenham em vigor muito tempo sem fiscalização da sua legalidade em abstracto.

Com efeitos restritos no caso concreto

A desaplicação da norma pode ser pedida pelo lesado e pelos titulares da acção popular quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo ou judicial de aplicação, não sendo necessária a prévia desaplicação em três casos (73º/2)
Aqui admite-se a possibilidade de pedido de declaração com fundamento na inconstitucionalidade da norma. Ex: lesão de direitos fundamentais
No entanto, a desaplicação da norma só deve fundamentar-se na lesão directa de direitos ou interesses legalmente protegidos (73º/2 com o concretização do 28º/5 CRP) ou dos valores comunitários susceptíveis de acção popular (o juiz não está limitado pela causa de pedir – 75º).

Nota: o CPTA encara a declaração com força obrigatória geral como uma questão de predominante interesse público.

1.6. Prazos

Segundo o 74º CPTA pode ser pedida a todo o tempo (qualquer um dos tipos de declaração) enquanto a norma estiver em vigor, sem prejuízo da necessidade de existir desaplicação em três casos concretos quando exigida.

1.7. Pode haver cumulação de pedidos?

Sim, segundo o artigo 4º/1 e 2 a) do CPTA.
Ex: declaração de ilegalidade da norma com anulação ou declaração de nulidade dos actos administrativos que a tenham aplicado e com o pedido de condenação da Administração ao restabelecimento da situação actual hipotética.

1.8. Características das normas

i) Valor superior ao da alçada dos TCA – 34º/1 e 2 CPTA
ii) São julgadas em 1ª instância com uma formação de três juízes (150º e 151º CPTA) e as sentenças são susceptíveis de recurso per saltum ou excepcional de revista para o STA.
iii)Até aqui ainda não estava consagrada e o TC não entendia assim, mas agora pode haver suspensão cautelar de eficácia das normas conforme os efeitos do caso ou gerais, do pedido principal e dos requisitos de admissibilidade do pedido dependentes do autor – 130º (alterado pela Lei nº 4-A/2003)

1.9. Efeitos

A lei só se refere expressamente à declaração com força obrigatória geral – 76º
Antes: adoptou-se a solução ex nunc, ou seja, o tribunal, por razões de equidade ou de interesse público de excepcional relevo, podia reportar os efeitos invalidatórios a momento anterior (11º ETAF antigo)
Agora: ex tunc, determinando a repristinação das normas revogadas, sem prejuízo do tribunal determinar que os efeitos se produzam apenas para o futuro por razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público de especial relevo.
É mais favorável aos particulares lesados que conseguem obter a eliminação dos efeitos não consolidados às normas.
Em caso de ilegalidade superveniente da norma, os efeitos invalidatórios só se produzem a partir da entrada em vigor da norma legal ou constitucional violada.

No caso concreto, embora não consagrado expressamente, os efeitos operam ex tunc e com alcance repristinatório, embora se produzam apenas face àquele caso, mas tal não implica apenas eficácia interpartes (alteração do 73º/2 pelo 2º da Lei nº4-A/2003)
Aqui o juiz não terá grande proveito em limitar os efeitos da declaração, pois os fundamentos legais dessa limitação reportam-se a efeitos gerais, o que é ainda mais favorável para o requerente.

2. O artigo 77º CPA prevê uma modalidade diferente chamada “declaração de ilegalidade por omissão”. O que é isso?

Prevê-se a verificação de uma omissão de normas, cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.
Inspirou-se na fiscalização da constitucionalidade por omissão, sendo que na concretização das condições legais se recorre também à jurisprudência constitucional.
Terá de tratar-se da omissão de regulamentos (necessários, não podendo ser globalmente revogados, a não ser por substituição) que se prove serem necessários à execução de preceitos constitucionais das leis em vigor, nos termos referidos no 119º/1 CPA.

2.1. Legitimidade

a) Acção popular e pública – 9º CPA
b) Qualquer pessoa que alegue um prejuízo directo e actual resultante da situação de omissão.

2.2. Efeitos

i) Prazo para emanação da norma não pode ser inferior a 6 meses após conhecimento dado pelo tribunal. Aqui a lei devia adoptar a expressão “prazo razoável” sem fixar limites quantitativos, segundo Vieira de Andrade.
ii) Apesar da formulação legal apontar para uma pronúncia declarativa, assume uma perspectiva condenatória porque faz-se mais do que recomendar ou comunicar, embora não esteja formulada com a possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e falte, face ao título reservado ao processo executivo, a previsão normativa dos termos da respectiva execução.

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