segunda-feira, 23 de maio de 2011

Declaração de Ilegalidade por Omissão

DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE POR OMISSÃO

Uma das inovações na reforma do Contencioso Administrativo passou pela admissibilidade na condenação da administração nos casos em que esta estaria vinculada pela lei a emitir um regulamento, e não o fazia. Há pois, um dever jurídico de regulamentar que, não sendo concretizado, pode levar a que as entidades referidas no art. 9º nº 2 do CPTA e o Ministério Público peçam, pela via contenciosa, a declaração de ilegalidade por omissão, quando em causa esteja, nas palavras do Senhor Professor AROSO DE ALMEIDA[1] a “omissão ilegal de normas administrativas cuja dopção seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”.
A ideia já tinha sido defendida por JOÃO CAUPERS antes da reforma do Contencioso Administrativo. Considerava este autor que a violação deste dever, seja pela emissão sua simples omissão, seja omissão de um regulamento fora de um “prazo razoável”, deveria permitir aos legítimos referidos supra a possibilidade de obterem uma condenação judicial – uma sentença, neste caso – reconhecendo essa omissão e exigindo um prazo“ não inferior a seis meses” – art. 77º nº 2 CPTA - para a mesma ser suprida.
O Senhor Professor PAULO OTERO também já defendera uma solução análoga à que se regista no caso da “inconstitucionalidade por omissão”, prevista no art. 283º da Constituição da República Portuguesa, em que o Tribunal Constitucional dá conhecimento dessa mesma inconstitucionalidade (por falta de lei que concretize uma norma constitucional) ao órgão competente. O que é dizer que no foro administrativo, o tribunal daria conhecimento da ilegalidade por omissão ao órgão competente para a prática do acto regulamentar.
Mas deverá este mecanismo estar restrito à omissão de normas regulamentares?
Há quem defenda que não (VASCO PEREIRA DA SILVA e VIEIRA DE ANDRADE). Diz-se que a declaração de ilegalidade por omissão deveria ser alargada a outros casos em que haja uma vinculação administrativa, como sejam os casos na omissão de elaboração de planos urbanísticos ou de ordenamento do território. Ou seja, admite-se que haverá ilegalidade por omissão – e que tal poderá ser sentenciada pelo tribunal – quando tal decorra de forma indirecta (“de uma remissão implícita para o poder regulamentar em virtude da incompletude ou da inexequibilidade do acto legislativo em questão – art. 77º nº 1 CPA”). E que o mesmo valerá para os regulamentos de execução, como para os regulamentos independentes ou autónomos, dado que se destinam a dar “exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”.[2] 
O legislador, apesar apenas ter previsto a declaração de ilegalidade por omissão de norma regulamentar, seguiu uma posição intermédia e que coincide com aquela que JOÃO CAUPERS defendeu: o tribunal daria conhecimento dessa ilegalidade ao órgão competente e, além disso (e indo mais longe que o regime da inconstitucionalidade por omissão), fixou um prazo mínimo de 6 meses para a Administração sanar essa mesma situação – art. 77º nº 2 CPTA.
Optou-se, como aponta AROSO DE ALMEIDA, por uma solução mais equilibrada: não há uma mero poder do juiz declarar a omissão à Administração, nem há, numa linha mais forte, o poder de condenar a Administração à emissão do regulamento devido. Há, sim, o poder de declarar a omissão associando-lhe um prazo para a sua sanação.
Qual a natureza dessa pronúncia efectuada pelo tribunal?
Os autores parecem estar em consenso quando referem que, à partida, a sentença de declaração de ilegalidade por omissão de regulamentos encontra-se próxima da sentença declarativa, pois a  “figura e fórmula foram evidentemente inspiradas na figura da inconstitucionalidade por omissão”[3];  no entanto, tanto VIEIRA DE ALMEIDA, como AROSO ALMEIDA e VASCO PEREIRA da SILVA concluem pela natureza condenatória da sentença, por existir um prazo acoplado à declaração da ilegalidade. Existe uma sentença que reconhece a existência de um dever e de um prazo que, se for desrespeitado, constituirá um acto de desobediência, permitindo, nesse caso, ao autor lançar mão dos mecanismos de execução de forma a ser estabelecido um prazo limite e, eventualmente, uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de persistência na omissão (arts. 164º nº 4 alínea d) e arts. 168º e 169ç CPTA).
Isto faz reforçar, na opinião de VASCO PEREIRA DA SILVA, a componente sancionatória de uma sentença com natureza legalmente dúbia.
Acompanhamos a posição doutrinária. Se é verdade que a expressão “disso [de uma situação de ilegalidade por omissão] dará conhecimento à entidade competente” (art. 77º nº 2 1ª parte CPTA) tem o mesmo efeito que “Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente” (art. 288º nº 3 CRP), ou seja, tem mero efeito declarativo, haverá que atender, também, à 2ª parte do art. 77º nº 2 do CPTA que vai mais longe, ao estatuiro seguinte: “fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida”. Isto é, a associação de um prazo à declaração de ilegalidade, faz emergir a natureza condenatória da figura sobre a aparente natureza declarativa.


João Luís Mendonça Gonçalves
Subturma 4, nº 17362



[1] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª edição, 2005.
[2] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009, Lisboa.
[3] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (lições), 9ª Edição, Almedina, 2007, Coimbra

Sem comentários:

Enviar um comentário