DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE POR OMISSÃO
Uma das inovações na reforma do Contencioso Administrativo passou pela admissibilidade na condenação da administração nos casos em que esta estaria vinculada pela lei a emitir um regulamento, e não o fazia. Há pois, um dever jurídico de regulamentar que, não sendo concretizado, pode levar a que as entidades referidas no art. 9º nº 2 do CPTA e o Ministério Público peçam, pela via contenciosa, a declaração de ilegalidade por omissão, quando em causa esteja, nas palavras do Senhor Professor AROSO DE ALMEIDA[1] a “omissão ilegal de normas administrativas cuja dopção seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”.
A ideia já tinha sido defendida por JOÃO CAUPERS antes da reforma do Contencioso Administrativo. Considerava este autor que a violação deste dever, seja pela emissão sua simples omissão, seja omissão de um regulamento fora de um “prazo razoável”, deveria permitir aos legítimos referidos supra a possibilidade de obterem uma condenação judicial – uma sentença, neste caso – reconhecendo essa omissão e exigindo um prazo“ não inferior a seis meses” – art. 77º nº 2 CPTA - para a mesma ser suprida.
O Senhor Professor PAULO OTERO também já defendera uma solução análoga à que se regista no caso da “inconstitucionalidade por omissão”, prevista no art. 283º da Constituição da República Portuguesa, em que o Tribunal Constitucional dá conhecimento dessa mesma inconstitucionalidade (por falta de lei que concretize uma norma constitucional) ao órgão competente. O que é dizer que no foro administrativo, o tribunal daria conhecimento da ilegalidade por omissão ao órgão competente para a prática do acto regulamentar.
Mas deverá este mecanismo estar restrito à omissão de normas regulamentares?
Há quem defenda que não (VASCO PEREIRA DA SILVA e VIEIRA DE ANDRADE). Diz-se que a declaração de ilegalidade por omissão deveria ser alargada a outros casos em que haja uma vinculação administrativa, como sejam os casos na omissão de elaboração de planos urbanísticos ou de ordenamento do território. Ou seja, admite-se que haverá ilegalidade por omissão – e que tal poderá ser sentenciada pelo tribunal – quando tal decorra de forma indirecta (“de uma remissão implícita para o poder regulamentar em virtude da incompletude ou da inexequibilidade do acto legislativo em questão – art. 77º nº 1 CPA”). E que o mesmo valerá para os regulamentos de execução, como para os regulamentos independentes ou autónomos, dado que se destinam a dar “exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”.[2]
O legislador, apesar apenas ter previsto a declaração de ilegalidade por omissão de norma regulamentar, seguiu uma posição intermédia e que coincide com aquela que JOÃO CAUPERS defendeu: o tribunal daria conhecimento dessa ilegalidade ao órgão competente e, além disso (e indo mais longe que o regime da inconstitucionalidade por omissão), fixou um prazo mínimo de 6 meses para a Administração sanar essa mesma situação – art. 77º nº 2 CPTA.
Optou-se, como aponta AROSO DE ALMEIDA, por uma solução mais equilibrada: não há uma mero poder do juiz declarar a omissão à Administração, nem há, numa linha mais forte, o poder de condenar a Administração à emissão do regulamento devido. Há, sim, o poder de declarar a omissão associando-lhe um prazo para a sua sanação.
Qual a natureza dessa pronúncia efectuada pelo tribunal?
Os autores parecem estar em consenso quando referem que, à partida, a sentença de declaração de ilegalidade por omissão de regulamentos encontra-se próxima da sentença declarativa, pois a “figura e fórmula foram evidentemente inspiradas na figura da inconstitucionalidade por omissão”[3]; no entanto, tanto VIEIRA DE ALMEIDA, como AROSO ALMEIDA e VASCO PEREIRA da SILVA concluem pela natureza condenatória da sentença, por existir um prazo acoplado à declaração da ilegalidade. Existe uma sentença que reconhece a existência de um dever e de um prazo que, se for desrespeitado, constituirá um acto de desobediência, permitindo, nesse caso, ao autor lançar mão dos mecanismos de execução de forma a ser estabelecido um prazo limite e, eventualmente, uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de persistência na omissão (arts. 164º nº 4 alínea d) e arts. 168º e 169ç CPTA).
Isto faz reforçar, na opinião de VASCO PEREIRA DA SILVA, a componente sancionatória de uma sentença com natureza legalmente dúbia.
Acompanhamos a posição doutrinária. Se é verdade que a expressão “disso [de uma situação de ilegalidade por omissão] dará conhecimento à entidade competente” (art. 77º nº 2 1ª parte CPTA) tem o mesmo efeito que “Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente” (art. 288º nº 3 CRP), ou seja, tem mero efeito declarativo, haverá que atender, também, à 2ª parte do art. 77º nº 2 do CPTA que vai mais longe, ao estatuiro seguinte: “fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida”. Isto é, a associação de um prazo à declaração de ilegalidade, faz emergir a natureza condenatória da figura sobre a aparente natureza declarativa.
João Luís Mendonça Gonçalves
Subturma 4, nº 17362
[1] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª edição, 2005.
[2] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009, Lisboa.
[3] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (lições), 9ª Edição, Almedina, 2007, Coimbra
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