quarta-feira, 11 de maio de 2011

Discricionariedade à vontade do freguês

Como este tópico é algo que si mesmo encerra muitas questões problemáticas, servirá este post apenas para nos situarmos e relembrarmos aquilo que está em causa.

Para aferir desta realidade, existem várias teorias:
a) Teoria da organização - os poderes da AP podem ser vinculados, quando a lei não remete para o critério do respectivo titular a escolha da solução concreta mais adequada; e podem ser discricionários, quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular.
b) Teoria da actividade, os actos da AP são vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados e serão discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.

Num acto vinculado, a lei vincula totalmente a AP. Esta não tem possibilidade de efectuar qualquer escolha. Trata-se de um acto de autoridade, de manifestação do poder administrativo, porque é uma decisão unilateral que define o direito no caso concreto, e o define em termos que são obrigatórios, quer para as autoridades administrativas, quer para os particulares e designadamente para o seu destinatário. A lei regula em todos os aspectos aquilo que a AP deve fazer.
Num acto discricionário, a lei praticamente nada diz, nada regula, e atribui uma significativa margem de autonomia à AP. É esta que tem de decidir segundo os critérios que em cada caso entender mais adequados à prossecução do interesse público.

à Mas em bom rigor, não há actos totalmente vinculados nem actos totalmente discricionários. Os actos administrativos são sempre o resultado de uma mistura ou combinação, em doses variadas, entre o exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários. Quase todos os actos administrativos são simultaneamente vinculados e discricionários. São vinculados em relação a certos aspectos e discricionários em relação a outros. Os actos podem é ser predominantemente vinculados ou predominantemente discricionários.
E mesmo dentro da discricionariedade, a competência e o fim estão sempre vinculados.

Enquadramento com princípio da legalidade: este é o mais importante dos princípios da actividade administrativa. Desdobra-se em duas dimensões/vertentes diferentes, i.e., a lei funcional ora como fundamento ora como limite da AP, ou melhor, reserva de lei e preferência de lei, ou precedência de lei e primado de lei, respectivamente. Num existe uma lógica de compatibilidade, noutro de conformidade.
A AP só pode actuar se tal estiver previamente previsto na lei. A lei prevalece, em caso de conflito, a quaisquer actos administrativos. A AP não pode contrariar a lei e deve estar a ela conforme, não pode actuar “praeter legem” (além da lei).
É por esta razão que o princípio da legalidade incide de forma muito intensa na AP e este é o seu princípio por excelência, pois precisa de um fundamento e precisa que a sua actuação venha prevista na lei.

Já para os entes privados, a lei é-lhes somente um limite, e não um fundamento, por força da vigência do princípio da autonomia privada. Tudo o que a lei não proíba, é permitido. Até se pode actuar mesmo que a lei não preveja essa actuação.

Bloco de legalidade/ juridicidade” – este não engloba tão-só a lei, mas também se estende às demais fontes do Direito. A lei como limite alargou o seu âmbito. No art. 3º do CPA consta a expressão «pela lei e pelo Direito».

Natureza e âmbito do princípio da legalidade: será que a AP deve obediência à lei em todas as manifestações do poder administrativo ou será que somente lhe deve obediência quando esteja em causa o sacrifício dos interesses dos particulares?
E assim surge a distinção entre uma administração agressiva e uma administração prestadora de serviços.
Na Alemanha, Wolff defende que o princípio da legalidade só se aplica à administração agressiva. Quando se tratar de agredir a esfera jurídica de um particular, a AP só pode fazer aquilo que a lei lhe permite. E quando se trate de efectuar prestações no âmbito do desenvolvimento económico ou justiça social, a AP pode fazer o que achar conveniente, desde que não contrarie nenhuma proibição legal.
Freitas Amaral e a maioria da doutrina portuguesa defendem que o princípio da legalidade cobre todas as manifestações da AP.

Excepções ao princípio da legalidade:
(na verdade, são pretensas excepções)

  • Estado de NecessidadeArt 3º/2 CPA, “os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados…”
É apenas uma pretensão de excepção porque vem prevista e é admitida na lei. É uma excepcionalidade dentro da própria lei.

  • Actos políticos – estes não são susceptíveis de recurso contencioso perante os tribunais administrativos e não há para eles uma sanção jurisdicional. Mas existem sempre outros mecanismos de controlo (ex. responsabilidade civil)
  • Discricionariedade – só há poderes discricionários onde a lei os confere como tais. E, neles, há sempre pelo menos dois elementos vinculados (competência e fim). Não será uma verdadeira excepção porque vem prevista e admitida na lei. O que há a aferir é somente da sua densidade.
O poder discricionário é um poder derivado da lei: só existe quando a lei o confere e na medida em que a lei o configura.

Discricionariedade / Arbitrariedade
-Domínio em que a AP tem só alguma margem de autonomia e liberdade.
- É uma actuação ainda dentro do Direito.
- Resulta sempre da lei + resulta de uma concessão legislativa, por vontade do legislador + está sujeita a alguns parâmetros e limites internos (princípios e direitos dos cidadãos) e externos (competência e fim).

Controlo jurisdicional             (=)                Discricionariedade

Apenas se controla a                            escolhas são pautadas
legalidade                                             por critérios de mérito

Existe maior facilidade para os tribunais de aferir da legalidade de actuações vinculadas e não tanto de actuações discricionárias à aqui só podem verificar se os princípios foram respeitados.
Aspectos que podem ser discricionários:

  • O momento da prática do acto;
  • Decisão de praticar (ou não) o acto
  • Determinação dos factos e interesses relevantes para a decisão
  • Conteúdo (=) discricionariedade de escolha que pode ser optativa, consistindo na escolha alternativa entre A ou B; ou criativa
  • Forma + formalidades
  • Fundamentação (ou não) da decisão
  • Faculdade de apor cláusulas acessórias
Limites da discricionariedade:

1.      Lei
2.      Auto-vinculação: se a AP, depois de se auto-vincular, praticar um acto que contrarie as normas que ela própria elaborou, e a que ela própria decidiu submeter-se, esse acto será ilegal, porque viola normas estabelecidas pela Administração, que constituem uma auto-vinculação do seu poder discricionário. Mas isto não significa que a AP fica para sempre amarrada a uma decisão que tomou, pois o interesse público é sempre variável e exige novas orientações de quando em vez. Do que aqui se trata é da obrigação de fundamentar os actos que decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes. – 124º/1 d) CPA
Excepções à auto-vinculação: a) 112º/5 CRP; b) existem casos em que a lei queira que a AP exerça caso a caso (casuisticamente) o seu poder de apreciação das circunstâncias concretas.

Controlo do exercício discricionário:

1.      da legalidadeconformidade do poder com a lei; exercido pela AP e tribunais.

2.     de méritooportunidade, justiça e conveniência dos actos e decisões; exercido somente pela AP.

O uso de poderes vinculados que tenham sido exercidos contra a lei é objecto dos controlos de legalidade.
O uso de poderes discricionários que tenham sido exercidos de modo inconveniente é objecto dos controlos de mérito.

Impugnação dos actos discricionários:
(vícios)

  • desvio de poder – o acto desviou-se do fim a que estava destinado. (não se aplica a actos vinculados)
  • incompetência
  • usurpação de poderes – forma de incompetência agravada, porque se extravasa a área de competência; violação da separação de poderes
  • vício de forma
  • violação de lei
à Também se aplicam no Direito Administrativo os vícios da vontade, nomeadamente e sobretudo o erro: quanto aos pressupostos de facto e o erro manifesto de apreciação. Estes erros determinam a invalidade do acto.

E quais dos vícios enunciados se podem aplicar aos actos discricionários?
- desvio de poder (que é o vício-típico neste âmbito)
- erro quanto aos pressupostos de facto
- erro manifesto quanto à apreciação (=) Proporcionalidade
- violação de lei (por via da violação de princípios e quanto aos elementos vinculados)
- vício de forma (se a lei vincular o órgão quanto à forma a adoptar)
- incompetência

FIGURAS AFINS:

Ø      conceitos indeterminados: a maioria da doutrina diz que não pode ser discricionária a interpretação deles. A interpretação será vinculada.

Ø      Remissão para regras extrajurídicas: há uma vinculação jurídica a estas normas e são obrigatórias e relevantes para a Administração porque a lei as fez suas, as incorporou na ordem jurídica e impôs à Administração que as respeitasse. (são normas técnicas e normas morais)

Posição do prof. Freitas Amaral antes da versão actual do manual: (tipos de)

  • Discricionariedade Clássica (a verdadeira)
Liberdade de escolha por parte da AP.
Ausência de reversibilidade jurisdicional de uma decisão.

                                                              Discricionariedade técnica1
  • Discricionariedade Imprópria                 liberdade probatória2
                                                          Justiça burocrática3

Não há liberdade de escolha, mas por razões práticas, os tribunais não controlam. Mas a solução é de facto só uma.
1-      os tribunais não detêm competência técnica para aferir da melhor solução
2-     a liberdade probatória está relacionada com a escolha de soluções de prova
3-     a justiça burocrática consiste numa correcta hierarquização (ex. avaliações)

  • Figuras Afins
Não há discricionariedade e o tribunal pode exercer controlo e fiscalização.

Posição Actual à  a discricionariedade imprópria é considerada a verdadeira discricionariedade. Em relação aos conceitos indeterminados, nem todos são iguais. Uns serão classificatórios (indeterminados apenas em termos de linguagem), outros serão conceitos-tipo que englobam uma zona de incerteza, uma zona de certeza positiva e uma zona de certeza negativa. Nos de incerteza existe uma verdadeira margem de livre-decisão que apela a juízos de valoração.

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