segunda-feira, 2 de maio de 2011

Formas de processo

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos previu, como se sabe, duas grandes formas de processo: a comum e a especial. A primeira, é aplicável a todos os litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa que, nem no CPTA, nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial, como expressa o art. 37.º/1 CPTA. Na segunda, temos assim, a acção administrativa especial, que engloba a impugnação de actos, a condenação à prática de acto legalmente devido, a impugnação e a declaração de ilegalidade da omissão das normas, previsto no art. 46.º ss. CPTA e os processos urgentes (art. 97.º ss. CPTA), sem prejuízo de outras que não previstas no CPTA.
A acção administrativa comum é o meio adequado de acesso à justiça administrativa se não estiver em causa um litígio relativo à prática ou à omissão de actos administrativos impugnáveis ou de normas. Assim, não poderá ser utilizada para obter a anulação de um acto administrativo impugnável, nem para “obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável” (art. 38.º/2 CPTA). Aplica-se a processos jurídico-administrativos tendencialmente paritários. Já na acção especial, aplica-se no domínio das decisões administrativas, em razão do exercício formal de poderes unilaterais de autoridade, isto é, em que se afirme a autoridade de uma das partes sobre a outra, em regra, da Administração sobre o particular.
O prof. Vieira de Andrade, ao contrário de alguns autores que consideram ser um dos aspectos do “interesse processual”, dado que não há interesse em agir quando o resultado visado pode ser obtido por outro meio, mais adequado, mais rápido ou mais económico, autonomiza este pressuposto relativo ao processo (adequação do meio judicial), pois não se trata apenas da desnecessidade do meio, mas de uma verdadeira condição de admissibilidade da forma processual utilizada.
Nesta matéria, chamo à colação o Ac. 11-02-2011 processo n.º 00147/09.8BECBR(http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/38240e2c39d00e4380257839003b8177? OpenDocument), em que se discute precisamente a questão de saber se a acção a utilizar deveria ter sido a comum ou a especial. Para o que nos interessa, na acção peticionava-se a condenação do R. a reconhecer que o contrato celebrado entre este e a autora permaneça válido e eficaz e que se considere ilegal e sem validade a declaração de rescisão efectuado pelo R.
A A. inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra,  proferida na acção administrativa comum, pela mesma deduzida contra o R., que julgando ocorrer excepção de erro na forma de processo absolveu o R. da instância. A A. alega que a decisão proferida no âmbito da 1ª instância em que absolve R. sofre do vício de violação de lei e que, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, é aplicável a acção administrativa comum, e não a acção administrativa especial, enquadrando-se na referida disposição a resolução do contrato celebrado entre a A. e a R. Afirma ainda que, o que se pretende é sim verificar se o acto contratualmente previsto foi correctamente exercido e, deste modo, não se trata de um acto administrativo isolado precedido ou não de um determinado procedimento administrativo, mas antes a resolução de um contrato, com efeitos que acarreta a destruição total de uma realidade complexa, terminando dizendo que a “Meritíssima Juiz a quo violou as normas constantes dos artigos 37.º, n.º 2, al. h), 41.º e 66.º (este por interpretação a contrario), todos do CPTA”.
R. contra-alega que o acto do qual derivam todos os efeitos que a A. pretende anular com a acção é o acto de rescisão do contrato, que era contenciosamente impugnável através do meio processual próprio - a acção administrativa especial.


A 1ª secção de contencioso administrativo, quanto à questão de saber se os actos jurídicos unilaterais da Administração são susceptíveis de impugnação em sede de acção administrativa especial ou se no âmbito da acção administrativa comum, diz que importa ter presente, tal como referi nas primeiras linhas, que a “acção administrativa comum por regra tem por objecto a resolução de litígios nos quais a Administração surge “despojada” do seu “ius imperii” (denominadas «relações jurídicas paritárias» em que a actuação daquela não consista na prática de actos administrativos ou edição de normas), ao passo que a acção administrativa especial constitui o meio próprio tipo e legalmente imposto para dirimir os litígios em que a Administração se mostra investida dos seus poderes de autoridade (através da prática de actos administrativos ou edição normas), sendo, por conseguinte, a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação actos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos condenação à prática de actos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas (art. 37.º e 46.º do CPTA).”
Daí que, o objecto da acção administrativa comum se mostre, nomeadamente e no que aqui releva, incompatível com a figura do acto administrativo e litígio que em torno do mesmo se estabeleça, pelo que a mesma não pode ser utilizada para obter a invalidação de acto administrativo (arts. 46.º, n.º 2, al. a) e 50.º e segs. do CPTA), a condenação à prática dum acto administrativo (art. 46.º, n.º 2, al. b), 66.º ss. do CPTA) ou ainda o efeito que resultaria da anulação acto administrativo (art. 38.º, n.º 2 do CPTA).
Refira-se ainda, tendo por base os doutos prof. Vieira de Andrade, Aroso de Almeida e Pedro Gonçalves, que o CPTA não admite ou não permite que a acção administrativa comum sobre contratos possa ser utilizada como meio, ainda que indirecto, para impugnar acto administrativo inserido em execução do contrato já que nesse caso o meio contencioso pertinente será a acção administrativa especial de impugnação.
Concluiu-se assim em não dar provimento ao recurso jurisdicional, constatando que a A. deduziu acção administrativa comum, devendo ter sido em acção especial (art. 46.º/2 al. a) do CPTA), inexistindo “a fortiori, qualquer infracção ao que se dispõe nos arts. 37.º, n.º 2, al. h) do CPTA.

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