quarta-feira, 4 de maio de 2011

Interesse processual e recurso hierárquico necessário


No seguimento do trabalho anteriormente exposto, venho expor essencialmente a problemática do controlo judicial imediato (ou não) dos actos administrativos, fazendo pontualmente e, quando tal se mostre necessário, menção ao interesse em agir.
Neste sentido, trata-se do requisito da definitividade vertical do acto administrativo impugnável, isto é, da questão de saber se a impugnação contenciosa de actos administrativos se encontra dependente, e em que condições, da prévia utilização, pelo impugnante, de vias de impugnação administrativa e, em particular, da interposição do recurso hierárquico necessário.
O CPTA deixou de fazer referência a este requisito, tal como resultava do art. 25.º/1 e 34.º LPTA, vigente até 2003, que se referia às impugnações administrativas necessárias como pressuposto de impugnabilidade dos actos administrativos, isto é, fazia-se depender a impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos do seu carácter definitivo e executório, sendo considerados verticalmente definitivos apenas os actos administrativos praticados por órgãos sem superiores hierárquicos ou por subalternos ao abrigo da delegação de poderes ou no exercício de competências exclusivas. Os actos não definitivos eram insusceptíveis de impugnação contenciosa, pelo que a única forma de reacção contra tais actos era o recurso hierárquico; caso a decisão de tal recurso não fosse a pretendida dos recorrentes, poderiam então impugnar jurisdicionalmente a decisão definitiva do superior. Tendo em conta o Âmbito muito limitado dos actos definitivos dos subalternos, a regra era a da inimpugnabilidade contenciosa e, portanto, a do recurso hierárquico necessário.
 No entendimento do Prof. Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, o CPTA, não exige, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possa ser objecto de impugnação contenciosa. Das soluções consagradas nos art. 51.º e 59.º/4 e 5 do CPTA, decorre a regra de que a utilização de vias de impugnação administrativas não é necessária para aceder à via contenciosa e, portanto, não é necessário, para haver interesse processual no recurso à impugnação perante os tribunais administrativos, que o autor demonstre ter tentado incessantemente obter a renovação do acto que considera ilegal por via extrajudicial.
O CPTA não tem, porém, o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições que só poderiam desaparecer mediante disposições expressas que determinasse que todas elas se considerariam extintas. Na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário, todos os actos administrativos com eficácia externa pode ser desde logo objecto de impugnação contenciosa. Contudo, nos casos expressamente previstos na lei, as decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação necessária, fazendo assim depender o reconhecimento de interesse processual ao autor da utilização das vias legalmente estabelecidas para tentar obter a resolução do litígio por via extrajudicial.
Assim, se for impugnado um acto administrativo perante os tribunais sem ter sido feito uso da impugnação administrativa necessária, a pretensão do particular deve ser rejeitada porque a lei não lhe reconhece interesse processual que, no caso, se deveria sustentar na demonstração da impossibilidade de obter o resultado pretendido pela via extrajudicial legalmente estabelecida.
Num sentido contrário ao exposto, encontramos a posição sufragada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Otero, que sustenta a possibilidade de controlo imediato dos actos dos subalternos, desde que lesivos para os particulares, chamando à colação o art. 268.º/4 CRP que afirma a possibilidade de “…impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem…”. Segundo os autores supra referidos, ficou, assim, ferido de inconstitucionalidade as disposições legais que estabeleçam o recurso hierárquico necessário, ao desaparecer do quadro constitucional a menção ao carácter definitivo e executório do acto, constituindo uma negação do direito fundamental de recurso contencioso a inadmissibilidade de recurso aos tribunais quando não tenha existido previamente o recurso hierárquico necessário.
Mas num aspecto as duas posições acima expostas, podemos dizer que estão em concordância, na medida em que, se o legislador ordinário impuser requisitos de tal modo excessivos e desproporcionados que se concretizem na imposição de um condicionamento ilegítimo, será violado o direito fundamental de acesso à justiça administrativa.



ALMEIDA, Mário Aroso, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4.ª edição, 2005.

ANDRADE, José Carlos Vieira, A justiça administrativa, 10.ª edição, Almedina, 2009.

SILVA, Vasco Pereira, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª edição, Almedina, 2009.

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