domingo, 15 de maio de 2011

Intimação - Protecção dos Direitos, Liberdades e Garantias

A revisão constitucional de 1997, veio trazer alterações significativas à Lei Fundamental portuguesa, introduzindo, no que à matéria dos direitos fundamentais diz respeito, inovações relevantes, as quais obviamente não puderam deixar de influenciar o legislador administrativo ordinário.
Em conformidade com o exposto, este novo meio processual, mais não veio do que concretizar a exigência do nº5 do artigo 20º da Constituição Portuguesa, nascendo não só do direito interno constitucional, mas também do direito internacional que vincula o Estado português.
Neste sentido e como bem assinala Ana Sofia Firmino a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem serve bem para demonstrar que, também fora da esfera nacional, existe uma preocupação profunda com a forma com que os Estados tutelam as situações de urgência.
Ora, é evidente que os Estados só podem cumprir a obrigação de julgar, num prazo razoável, se no regime processual de cada Estado, existirem instrumentos aceleradores que proporcionem uma protecção adequada e eficaz para determinados casos urgentes. A verdade é que a tão proclamada tutela judicial efectiva, não passa apenas por procedimentos cautelares, mas também e necessariamente, por processos que decidam de forma célere e definitiva, sobre certas questões de carácter excepcional, que assumem uma maior relevância para o particular.
O que essencialmente se pretende, quer em termos constitucionais, quer em termos do direito internacional, é que a justiça administrativa tenha sempre resposta, em termos procedimentais, à solicitação de tutela de direitos ou interesses. Trata-se pois de fazer corresponder a todo o direito uma acção adequada a fazê-lo exercitar e reconhecer em juízo. Neste contexto, é inelutável que a tutela cautelar, por não ser definitiva, não conseguiria sozinha dar uma resposta eficaz a todo o tipo de situações de urgência.
As intimações, como processos urgentes, vieram pois tentar corresponder a essa necessidade. Diga-se porém, em abono da verdade, que através da instituição deste tipo de intimação, o propósito primordial do legislador, foi efectivamente o de dar cumprimento à imposição constitucional que apenas se reporta a direitos, liberdades e garantias pessoais29, e não a quaisquer outros. Mas será que apenas por esta razão devemos limitar a possibilidade de utilização deste meio processual, apenas para a protecção de direitos, liberdades e garantia de natureza pessoal?
Perfilhando o entendimento da maioria dos autores sobre esta matéria, parece evidente que a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa. Em conformidade com o referido, a verdade é que não se verifica qualquer restrição por parte do legislador administrativo em nenhum dos artigos que integram a Secção II do CPTA, nem tão pouco no próprio Título da Secção. Parece assim evidente que o legislador ordinário foi deliberadamente para além da já mencionada concretização Constitucional, estendendo o âmbito de intervenção deste novo meio processual a todos os direitos, liberdades e garantias pessoais e não pessoais.
Parece pois manifesto, como assinala de forma clara e concisa, Carla Amado Gomes comentando um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que “não basta apelar à matriz constitucional, descartando a liberdade de autodeterminação política de um legislador democraticamente legitimado”, para fundamentar uma interpretação restritiva dos direitos liberdades e garantias abrangidos pela intimação ora em análise, isto é, com base de que esta corresponde
à concretização do ditame veiculado no nº 5 do artigo 20º da CRP, o qual apenas menciona direitos, liberdades e garantias pessoais, esquecendo por completo
os artigos antecedentes, nomeadamente a clausula de extensão contida no artigo 17º…
Certo é, que não tendo o CPTA restringido esse âmbito de aplicação, não cabe obviamente ao intérprete fazê-lo.
Por outro lado, e considerando que a direitos de estrutura análoga, deve caber um regime idêntico e análogo, a própria Constituição no seu artigo 17º, prevê que o regime de direitos, liberdades e garantias seja aplicado aos direitos enunciados no Titulo II e aos direitos fundamentais de natureza análoga, pelo que não se vislumbra qualquer fundamento válido para excluir estes direitos de natureza análoga do âmbito de protecção da acção sumária consagrada no artigo 109º do CPTA.
Com efeito, se a natureza dos direitos em causa é análoga, nos termos já atrás referidos, justifica-se plenamente que sejam abrangidos pela intimação os direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos fundamentais.
Por último, importa referir que se devem ainda considerar abarcados no seu âmbito, quer os direitos de natureza análoga dispersos na CRP, quer ainda aqueles que se encontrem fora do catálogo.
Esclarecido que está o âmbito de aplicação deste meio processual, ou seja que direitos, liberdades e garantias são através de si protegidos, cabe avaliar os pressupostos de admissibilidade deste processo urgente, ou seja responder à seguinte pergunta “Quando se pode lançar mão da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias?”
Da leitura do artigo 109º parece ficar clara a natureza subsidiária da intimação, pois dali se retira que a necessidade da intimação urgente, sob forma de decisão definitiva, afere-se pela impossibilidade ou insuficiência da intimação urgentíssima provisória, regulada no artigo 131º, sob a forma de decisão cautelar.
Assim e ao contrário do que poderíamos ser inicialmente levados a pensar face ao que até aqui se expôs sobre o presente processo, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reacção a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias.
O meio normal de defesa dos direitos fundamentais são precisamente as acções administrativas comuns ou especiais, associadas eventualmente à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença.
O CPTA exige desde logo, como pressuposto do recurso à intimação, a urgência da decisão para evitar a lesão ou inutilização do direito e sem a qual apenas poderia haver lugar às acções administrativas referidas no parágrafo anterior. Mas exige também, que no caso concreto, não seja de facto possível ou suficiente para assegurar o exercício desses direitos, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º.
Note-se contudo, que sempre que seja indispensável, para evitar a lesão de direitos fundamentais, uma decisão de mérito urgente, fica automaticamente excluída a hipótese de recurso à figura prevista no artigo 131º do Código, por esta providenciar uma tutela meramente cautelar.
Parece pois evidente, que sendo as providências cautelares por definição instrumentais e provisórias, não podem ser utilizadas para obter decisões de mérito, não se devendo recorrer as estas quando a decisão do tribunal sobre a providência acabe por resolver definitivamente a questão, esvaziando o objecto da causa principal. O último segmento do nº1 do artigo 109º, presta-se pois, a alguns equívocos.
Em suma, afirmando a lei o carácter excepcional da intimação, deve ser sempre atribuída prioridade aos processos não urgentes, ainda que complementados pelo decretamento, mesmo que provisório, de providências cautelares, porquanto aquelas beneficiando de uma tramitação mais simplificada, e em certos casos, muito ligeira e sumária, não podem constituir a regra, uma vez que todos os processos devem seguir, sempre que possível, uma tramitação temporal mais adequada ao cabal esclarecimento das questões, à produção de prova e ao exercício do contraditório entre as partes.
Em conformidade com o exposto Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha não se coíbem em afirmar que “Não é, por isso aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados.”
Mas qual a extensão da subsidiariedade definida no artigo 109º?
É a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, apenas subsidiária relativamente às providências cautelares de carácter genérico, segundo
o disposto no artigo 131º ou será ela também subsidiária relativamente a toda e qualquer providência cautelar especificamente orientada para a defesa de
certos direitos, liberdades e garantias? A doutrina tem entendido que o nexo de
subsidiariedade estabelecido entre a intimação e o decretamento provisório de qualquer providência cautelar de natureza genérica não pode deixar de se estender às providências cautelares específicas de protecção de direitos, liberdades e garantias.
O nº1 do artigo 109º prevê pois, uma subsidiariedade mais ampla, do que a estipulada na própria norma, uma vez que faz todo o sentido que o recurso à intimação tenha também como pressuposto a inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e garantias.
Para além da questão da subsidariedade, cabe ainda referir, que o requerente da intimação terá que alegar e provar (ainda que de forma sumária) que só a procedência do pedido de intimação lhe proporcionará a plenitude do exercício do seu direito, demonstrando assim a indispensabilidade da intimação, face ao caso concreto.
Conforme se alcança da exposição precedente, a intimação para protecção de direitos liberdades e garantias prevista no artigo 109º, não é mais do que um processo urgente43 e principal, caracterizado por uma tramitação sumária e dirigido à produção de uma sentença de mérito e, portanto, definitiva.
Este processo, como refere Fernanda Maças, deve ser “utilizado quando for indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade ou garantia e não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar”.
É pois um processo que se revela muito útil para ocorrer a situações em que seja urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.
Acontece que as situações de urgência que reclamam uma decisão de fundo e uma composição definitiva do litígio são precisamente aquelas em que o factor
tempo obriga à emissão de uma decisão que interfere com o objecto de um eventual processo principal. Assim se o particular não puder aguardar que o juiz de uma eventual causa principal se pronuncie sobre a situação requerida, sob, pena de ver os seus direitos fundamentais lesados, então deverá lançar mão da
intimação urgente.
Por conseguinte, não faz sentido recorrer-se ao decretamento provisório de providências cautelares, quando o mérito da causa deva ser resolvido de forma
imediata e definitiva, isto é quando a própria natureza das coisas não se compadece com uma definição cautelar.
Aliás, como já atrás se mencionou, o processo principal urgente foi de certa forma concebido, para suprir as insuficiências inerentes a um processo cautelar,
que resultam precisamente de ele ser cautelar, provisório e instrumental.
No que concerne ao decretamento provisório da providência cautelar que se destina a tutelar direitos, liberdades e garantias do artigo 131º, estamos perante uma decisão urgente, mas que se satisfaz com uma decisão provisória, até que no âmbito do processo principal se decida definitivamente a questão de fundo.
Trata-se de uma composição provisória e instrumental do litígio, que é suficiente para proteger o direito, liberdade ou garantia em causa, desde que a providência seja decretada com a máxima urgência, após o momento da sua solicitação.
Ao contrário da intimação urgente, é um processo que se caracteriza essencialmente pela sua provisoriedade e instrumentalidade. No âmbito deste
processo, o juiz verifica a possibilidade de decretar uma providência a título provisório, que vigorará durante a própria pendência do processo cautelar,
isto é durante o tempo normal que este processo leva a decorrer. Trata-se de situações urgentes em que não se pode aguardar pela sentença cautelar, tornando-se necessário antecipá-la.
Concluído o processo cautelar, o juiz decidirá se a providência se deve manter durante toda a pendência do processo principal, se deve ser alterada ou se deve pura e simplesmente ser levantada. Com efeito, estamos perante um processo cautelar urgente, caracterizado pela sua relação de instrumentalidade e provisoriedade, relativamente ao processo principal, que in casu, é também ele um processo cautelar.
Não obstante as diferenças salientadas do ponto de vista estrutural, importa referir um elemento comum aos dois instrumentos processuais, uma vez que em ambos os casos se permite assegurar em 48 horas o exercício útil de um direito, liberdade ou garantia, de forma a prevenir situações de lesão irreversíveis.
Pelo exposto, é coerente afirmar que a problemática da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, em última análise, acaba por se reconduzir em saber no caso concreto, quando é que as pronúncias de mérito são necessárias para acautelar a causa, em confronto com uma mera pronúncia provisória e instrumental, providenciada pela tutela cautelar urgente.
Com interesse ainda para a temática em análise, cabe referir, embora alguns autores assim não o entendam, que no caso do juiz ser chamado a proferir uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, e verifique não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende este meio processual, por “ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º ”,
ele deve proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para efeitos do disposto no artigo 131º.
Tal actuação deverá ser compreendida à luz do princípio a tutela judicial efectiva e do imperativo constitucional relativo à efectividade dos direitos, liberdades e garantias.

Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de
“O Novo Regime do Processo dos Tribunais Administrativos”,
Almedina, 2005;

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“A Justiça Administrativa”, 8ª edição, Almedina,
2006;

FIRMINO, Ana Sofia
Processos Urgentes”, Novas e Velhas Andanças do
Contencioso Administrativo – Estudos Sobre a
Reforma do Processo Administrativo, A.A.F.D.L.,
2005;

GOMES, Carla Amado
“O Regresso de Ulisses: um olhar sobre a reforma da
justiça cautelar administrativa”, Cadernos de Justiça
Administrativa, nº 39;

SILVA, Vasco Pereira da
“O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”,
Almedina, 2005;

Francisco Rodrigues dos Santos, 17287

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