segunda-feira, 23 de maio de 2011

Legitimidade nas acções administrativas especiais, situações de facto ou jurídicas?

O CPTA diferencia a legitimidade das partes consoante se trate de acção administrativa comum ou acção administrativa especial.
Relativamente as acções administrativas comuns, o CPTA refere que o autor é parte activa por ser parte na relação material controvertida (art.9º nº1) e que o réu é parte passiva por ser parte contrária na mesma relação material controvertida (art.10º nº1). O CPTA vai no seguimento do direito processual civil que refere, no seu art.26º nº3, norma idêntica ao referir que são partes legitimas aquelas que façam parte da relação material controvertida, salvo indicação em contrário.
Por seu lado, nas acções administrativas especiais, o CPTA distingue a legitimidade conforme a acção. Assim temos diferentes legitimidades relativamente a acções de:
  1. Impugnação de actos administrativos, no qual são parte activa, segundo o disposto no art.55º n.º1 a) e c), “quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seu direitos ou interesses legalmente protegidos” e as “pessoas colectivas públicas ou privadas, quanto aos direitos ou interesses que lhes cumprir defender”, e parte passiva, ao abrigo do art.57º, a entidade que é alvo da impugnação do acto e outros que possam ser directamente prejudicados pela impugnação ou tenham interesse legítimo na manutenção do acto impugnado.
  2. Condenação à prática de acto devido, as quais existe legitimidade activa “quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido á emissão do acto”, bem como na acção anterior, “as pessoas colectivas públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpre defender”, art.68º n.º1 a) e b). Por seu lado, possui legitimidade passiva, resultante do artº68º,  a entidade administrativa visada, que será condenada a emissão do acto devido, e os “contra-interessados a quem á prática do acto omitido possa directamente prejudicar ou que tenham legitimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo 
  3. Impugnação de normas a legitimidade activa pertence a qualquer prejudicado, actual ou futuramente, pela aplicação da norma, art. 73º n.1 e n.º2. É de reparar que neste caso, talvez pela declaração de ilegalidade tenha força obrigatória geral, não existe nenhum preceito sobre a legitimidade passiva
  4. Declaração de ilegalidade por omissão de norma devida possui a legitimidade activa no art.77º n.º1, que refere que a mesma possa ser pedida por qualquer sujeito que alegue um prejuízo resultante da norma. Também nesta acção não se encontra nenhum preceito especial para a legitimidade passiva.

A divergência entre a legitimidade clássica das acções administrativas comuns e as acções administrativas especiais reside no facto de deixar de ser exigido um interesse justificado baseado numa situação jurídica subjectiva para ser parte legítima. Decorrendo a legitimidade de “meras situações de facto, simples situações de vantagem de carácter económico ou outro, as quais não podem ser objecto de direitos ou interesses legalmente protegidos, ou ser objecto mediato de relações jurídicas”.

Segundo Dr. Rui Machete, a legitimidade no direito português tem sempre a base sobre uma conexão entre sujeito e uma situação jurídica.
Na posição de contra-interessado nas acções administrativas especiais, é referido que nas acções defendidas por este, não se encontra uma conexão com a situação de jurídica, mas apenas uma conexão de facto. No entanto, para o autor, esta situação não é verdadeira, provando ele que existe sempre, em última analise uma conexão com a situação jurídica que o legitima.
Ora vejamos, conforme refere Dr. Rui Machete, as pretensas situações de facto são sempre situações jurídicas reguladas pelo “direito material, constitucional ou ordinário”. Isto resulta do art.2 n.º2 que dispõem que “a todo o direito legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”.
A nossa administração pública esta constitucionalmente vinculada a proteger os nossos direitos, as nossas liberdades e garantias, art.18º n.º1 e art. 268 n.º4 CRP.
A protecção é ainda maior, quando o nosso direito constitucional, nos seus artigos 26º n.1 e 2º n.º1, consagra o livre desenvolvimento da personalidade constituindo com ele uma “protecção legal geral” a aplicar na falta de um direito geral específico.
Disto resulta, que sempre que uma situação não esteja prevista no direito ordinário mas possua uma protecção do direito constitucional, que o juiz esteja obrigado a aplicar uma solução concreta ao caso em conformidade com o direito fundamental.
Portanto, uma aparente situação jurídica de facto possui sempre uma protecção jurídico-constitucional.  Tal situação leva que, na acção administrativa especial, uma conexão entre autor e contra-interessado numa situação aparentemente de facto seja na realidade situação jurídica,
Com base no largo âmbito dos direitos fundamentais, afirma o autor, que o nosso direito é quase livre de lacunas, uma vez que vai ser sempre um interesse ou direito legalmente protegido pela norma fundamental.






Bibiliografia: 


"Sobre a legitimidade dos particulares nas acções administrativas especiais", Rui Machete in "Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Sérvulo Correia. FDL, 2010.


Duarte Ferreira Figueiredo,
Nº17028, sub-turma 4

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