De acordo com o disposto no artigo 67º, nº 1, a condenação à prática de actos administrativos pode ser pedida em três tipos de situações.
1.1. Omissão da prática do acto administrativo
O primeiro desses tipos de situações, previsto no artigo 67º, nº 1, alínea a), tem lugar quando, tendo sido constituída no dever de decidir (cfr., a propósito, o disposto no artigo 9º do CPA), a Administração tenha permanecido omissa, sem proferir decisão, até expirar o prazo legalmente estabelecido para decidir. O artigo 67º, nº 2, estabelece, entretanto, que “a falta de resposta a requerimento dirigido a delegante ou subdelegante é imputada ao delegado ou subdelegado, mesmo que a este não tenha sido remetido o requerimento”. E o artigo 67º, nº 3, ainda introduz um mecanismo inovador do mesmo tipo, destinado a proteger o interessado nas situações em que a Administração não dê cumprimento ao disposto no artigo 34º do CPA.
A previsão do artigo 67º, nº 1, alínea a), tem por objecto situações de incumprimento, por parte da Administração, do dever de decisão perante requerimentos que lhe sejam apresentados. Corresponde, portanto, às situações em que, anteriormente, havia lugar à formação de actos tácitos — mais concretamente, de indeferimentos tácitos, interessando, para este efeito, distinguir claramente a figura do indeferimento tácito, prevista no artigo 109º do CPA, da figura do deferimento tácito, cujo regime está genericamente regulado no artigo 108º do mesmo Código, embora a sua existência dependa, em cada caso, de previsão em legislação avulsa.
a) O deferimento tácito é um acto administrativo que resulta de uma presunção legal. Os domínios legalmente previstos em que se aceita que o silêncio da Administração equivalha a um acto positivo, favorável às pretensões dos particulares, são domínios em que a regra, segundo a experiência comum, é a do deferimento. É sobretudo o domínio das autorizações permissivas, em que a intervenção limitativa da Administração é legalmente configurada com traços de excepcionalidade, por se tratar de domínios de restrição excepcional da esfera jurídica dos particulares; e o domínio das aprovações, no que toca às relações entre órgãos da Administração Pública (cfr., hoje, artigo 108º nº 1 do CPA) — domínios nos quais se tende a admitir que a tendência normal da Administração vai no sentido de deferir as pretensões que lhe são apresentadas. É nestes domínios que, por vezes, a lei associa à inércia da Administração uma presunção de assentimento e, portanto, de concordância com as pretensões passível de impugnação, deixa de ser, na verdade, necessário ficcionar, nas situações de pura inércia ou omissão, a existência de um indeferimento tácito que possa ser objecto de impugnação.
Fora dos casos que lhe sejam apresentadas pelos requerentes, prevendo, assim, a formação de deferimentos tácitos.
As situações de deferimento tácito são, por conseguinte, situações em que, nos casos expressamente previstos na lei (cfr. artigo 108º, nº 3, do CPA), a lei associa ao decurso do prazo legal para a tomada da decisão a presunção de que a pretensão apresentada pelo requerente foi julgada conforme às exigências postas pelo ordenamento jurídico, pelo que atribui à passividade do órgão competente o significado legal tipicizado de deferir a pretensão. Estamos, pois, perante uma presunção legal através da qual a lei extrai da conduta de inércia da Administração o efeito jurídico de um deferimento que substitui, para todos os efeitos, o acto administrativo de sentido positivo que foi omitido.
Em situações de deferimento tácito, não há, portanto, lugar para a propositura de uma acção de condenação à prática do acto omitido, pelo simples motivo de que a produção desse acto já resultou da lei. Poderá ser, quando muito, proposta — segundo os termos da acção administrativa comum e desde que, para o efeito, exista, naturalmente, o necessário interesse processual (cfr. artigo 39º) — uma acção dirigida ao reconhecimento de que o acto tácito se produziu ou porventura de condenação da Administração ao reconhecimento de que assim é, para o efeito de adoptar os actos jurídicos e/ou as operações materiais que sejam devidos por esse facto.
b) As situações de incumprimento, por parte da Administração, do dever de decidir que lei especial não qualifique como de deferimento tácito eram tradicionalmente qualificadas como situações de indeferimento tácito, figura ainda hoje prevista no artigo 109º do CPA. O indeferimento tácito constituía uma ficção legal, criada porque, no modelo tradicional do contencioso administrativo de tipo francês, centrado na impugnação mesmo de actos administrativos de indeferimento, era necessário ficcionar, em situações de inércia ou omissão que lei especial não qualificasse como de deferimento tácito, a existência de um acto administrativo de indeferimento que pudesse ser objecto de impugnação.
Desde a entrada em vigor do CPTA e, com ela, desde a introdução da possibilidade da dedução junto dos tribunais administrativos de pedidos de condenação da Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos, é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência que o artigo 109º, nº 1, do CPA foi tacitamente revogado na parte em que reconhecia ao interessado “a faculdade de presumir indeferida [a sua] pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”, devendo passar a ser lido como estabelecendo apenas que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado: a partir do momento em que se deixa de fazer depender o acesso à jurisdição administrativa da existência de um acto administrativo, com efespecíficos em que a lei preveja a formação de deferimentos tácitos, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir por parte da Administração passou, assim, a ser tratado como a omissão pura e simples que efectivamente é, ou seja, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido. Por esse motivo, o Código tem o cuidado de evitar utilizar, em qualquer dos seus preceitos, a palavra silêncio a este propósito (cfr. artigos 69º, nº 1, e 79º, nº 5) e quando fala de indeferimentos (por exemplo, nos artigos 69º, nº 2, ou 79º, nº 4), só se refere a verdadeiros actos administrativos (actos expressos, portanto) e nunca a situações de pura inércia ou omissão, em que não existe um acto de indeferimento.
Como resulta do artigo 67º, nº 1, alínea a) (cfr. também artigo 69º, nº 1), existe um prazo legal para a emissão do acto devido, uma vez expirado o qual o interessado fica habilitado a fazer valer em juízo o seu direito ao acto ilegalmente omitido. Na ausência de disposição especial, esse prazo continua a ser determinado por aplicação das regras do artigo 109º, nºs 2 e 3, do CPA. Aí se estabeleceeito, o prazo-regra de noventa dias, que se conta em dias úteis, nos termos previstos no artigo 72º do CPA: é, pois, uma vez expirado esse prazo que o interessado fica dispensado de continuar a aguardar a decisão da Administração e legitimado a exigir contenciosamente a prática do acto devido.
Como foi oportunamente referido, o CPTA não obsta à existência de impugnações administrativas necessárias e, portanto, não tem, só por si, o alcance de erradicar a figura do recurso hierárquico necessário. Justifica-se, por isso, uma referência à situação em que fica colocado o titular de uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo que, tendo apresentado um requerimento a um órgão subordinado, se veja confrontado com uma atitude de omissão do dever de decidir em situações em que, nos termos da lei, deva haver lugar à interposição de recurso hierárquico necessário.
A nosso ver, quer haja omissão ou recusa, há lugar à interposição de recurso hierárquico necessário, quando ele for exigido por lei especial. O recurso não tem por objecto necessariamente um acto do subordinado, mas a sua conduta, ainda que omissiva. Como resulta do que foi dito no ponto anterior, quando o subordinado tenha, porém, permanecido omisso, o objecto do recurso hierárquico não é um acto ficto ou presumido, mas a própria conduta factual de inércia do subordinado.
No silêncio da lei, parece dever ser de um ano, de harmonia com o disposto no artigo 69º, nº 1, o prazo dentro do qual o interessado deve interpor o recurso hierárquico necessário, no caso de se ver confrontado com uma atitude de inércia por parte do órgão subordinado perante o qual apresentou o seu requerimento.Deve, entretanto, entender-se que o artigo 175º, nº 3, do CPA passa a ter o alcance de determinar que, sempre que, tendo sido interposto recurso hierárquico necessário, não haja resposta do superior, o recurso hierárquico só se considera tacitamente indeferido para o efeito de permitir que o interessado requeira ao tribunal administrativo competente a condenação da Administração (recorde-se: da pessoa colectiva pública ou do Ministério demandados) à prática do acto administrativo devido. Tal como sucede com a do subordinado, e pelas mesmas razões, a eventual atitude de inércia ou omissão que o superior venha a adoptar neste contexto não deve continuar, a nosso ver, a ser qualificada como um acto jurídico (que não existe), mas como o mero facto que efectivamente é e cuja ocorrência, decorrido o prazo legal, tem o estrito alcance de abrir o acesso à via contenciosa, sem influir sobre os termos em que deve ser determinado o objecto do processo a intentar perante os tribunais administrativos — processo que não pode deixar, portanto, de ter por objecto o mesmo reconhecimento judicial do direito do interessado ao acto devido que teria se a acção pudesse ter sido imediatamente proposta perante a inércia ou a recusa do próprio órgão subordinado .
1.2. Indeferimento da pretensão do interessado
O segundo tipo de situações em que pode ser pedida a condenação à prática de um acto administrativo, previsto no artigo 67º, nº 1, alínea b), é aquela em que tenha sido indeferida a pretensão deduzida pelo interessado, através da recusa expressa da prática do acto requerido.
Como já vimos, a reacção contra actos administrativos de indeferimento não pode ser objecto de um processo impugnatório, dirigido à mera anulação ou declaração de nulidade desses actos, mas processa-se através de um processo de condenação, que, portanto, não funciona apenas como um instrumento de tutela contra situações de inércia ou omissão, mas pode ser utilizado independentemente da questão de saber se a Administração respondeu ou não à pretensão que, nesse sentido, lhe foi apresentada pelo interessado.
Como claramente resulta dos artigos 51º, nº 4, e 66º, nº 2, quando se veja, pois, confrontado com um acto de indeferimento, o titular de uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo deve fazer valer a sua própria posição substantiva, em todas as dimensões em que ela se desdobra, no âmbito de um processo de condenação da Administração à prática do acto ilegalmente recusado. O artigo 66º, nº 2, tem, entretanto, o cuidado de esclarecer que a eliminação do eventual acto de indeferimento da ordem jurídica resulta, só por si, da pronúncia de condenação mediante a qual o tribunal imponha a sua substituição pelo acto devido.
1.3. Recusa de apreciação do requerimento
O terceiro tipo de situação em que pode ser pedida a condenação à prática de um acto administrativo, previsto no artigo 67º, nº 1, alínea c), é aquela em que tenha sido recusada a apreciação do requerimento dirigido à prática do acto administrativo.
O pedido de condenação da Administração à prática de actos administrativos devidos também pode ser, pois, deduzido independentemente da questão de saber se, ao proferir o acto de indeferimento, a Administração se pronunciou sobre o mérito da pretensão, ou se, pelo contrário, ela se limitou a recusar liminarmente a sua apreciação.
Esta última situação compreende duas sub-hipóteses, dado que a recusa de apreciação tanto se pode basear em motivos de ordem formal, como em considerações que envolvam a formulação de juízos valorativos quanto à oportunidade de decidir.Por isso, a recusa tanto pode ser contestada com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou com a falta de fundamento normativo que permitisse a sua invocação — desde logo, eventual discordância em relação à interpretação que a Administração faça do artigo 9º, nº 2, do CPA —, como com base na existência de circunstâncias que, no caso concreto, restrinjam ou eliminem a discricionariedade de acção que, em abstracto, a lei confira à Administração e de que ela se arrogue para se recusar a agir.
Cumpre notar que, mesmo neste tipo de situações, em que o autor se viu confrontado com uma decisão que recusou a própria apreciação do requerimento apresentado, ele leva a juízo a sua posição subjectiva de conteúdo pretensivo, em todas as dimensões em que ela se desdobra. Os termos em que se define o objecto do processo de condenação que, neste caso, ele intenta não diferem, por isso, no essencial, daqueles em que ele se define nos outros processos de condenação à prática de actos administrativos.
Ana Rita Costa Ribeiro
Subturma7
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