segunda-feira, 23 de maio de 2011

Omissão ou recusa da prática do acto administrativo

De acordo com o disposto no artigo 67º, nº 1, a condenação à prática de actos admi­nis­tra­tivos pode ser pedida em três tipos de situações.

1.1. Omissão da prática do acto administrativo

O primeiro desses tipos de situações, previsto no artigo 67º, nº 1, alínea a), tem lugar quando, ten­do sido constituída no dever de de­cidir (cfr., a propósito, o disposto no artigo 9º do CPA), a Administração tenha permanecido omis­­sa, sem proferir decisão, até expirar o pra­zo legal­men­te es­tabelecido para decidir. O artigo 67º, nº 2, estabelece, en­tre­tan­to, que “a falta de res­posta a re­que­­ri­mento dirigido a dele­gan­te ou sub­de­le­gante é im­pu­ta­da ao delegado ou sub­­­de­le­ga­do, mes­mo que a este não tenha sido reme­tido o re­que­ri­mento”. E o artigo 67º, nº 3, ainda introduz um mecanismo inovador do mesmo tipo, des­ti­nado a proteger o inte­res­sado nas situações em que a Administração não dê cum­primento ao disposto no artigo 34º do CPA.

A previsão do artigo 67º, nº 1, alínea a), tem por objecto situações de incumpri­men­to, por parte da Administração, do dever de decisão perante reque­ri­mentos que lhe se­jam apre­sentados. Corresponde, portanto, às situa­ções em que, anteriormente, havia lugar à for­ma­ção de actos tácitos — mais concretamente, de inde­fe­ri­men­­­tos tácitos, interessando, para este efeito, distinguir claramente a figura do indeferimento tácito, prevista no ar­ti­go 109º do CPA, da figura do deferimento tácito, cujo regime está genericamente regulado no artigo 108º do mesmo Código, embora a sua existência dependa, em cada caso, de pre­vi­são em legislação avulsa.
a) O deferimento tácito é um acto administrativo que resulta de uma presunção legal. Os domínios legalmente previstos em que se aceita que o silêncio da Administração equi­va­lha a um acto positivo, favorável às pre­tensões dos particulares, são domínios em que a regra, se­gundo a experiência comum, é a do defe­ri­men­to. É sobretudo o do­mí­nio das auto­rizações permissivas, em que a intervenção limi­ta­tiva da Admi­nistração é legalmente con­fi­gu­rada com traços de excepcio­na­lidade, por se tra­tar de domínios de restrição excepcional da esfe­ra jurídica dos particulares; e o domínio das aprovações, no que toca às relações en­tre órgãos da Administração Pública (cfr., hoje, artigo 108º nº 1 do CPA) — domínios nos quais se tende a admitir que a tendência normal da Administração vai no sen­tido de deferir as pretensões que lhe são apresentadas. É nestes domínios que, por vezes, a lei as­socia à inércia da Ad­mi­nis­­tra­ção uma presunção de assentimento e, portanto, de con­cor­dância com as pre­ten­sões passível de im­pug­nação, deixa de ser, na verdade, ne­ces­sá­rio ficcionar, nas situações de pura inércia ou omissão, a existência de um indeferimento tácito que possa ser objecto de im­pug­na­ção.
Fora dos casos que lhe sejam apresentadas pelos requerentes, prevendo, assim, a for­ma­ção de deferimentos tácitos.
As situações de defe­ri­men­­to tácito são, por conseguinte, situações em que, nos casos ex­­pres­samente previstos na lei (cfr. artigo 108º, nº 3, do CPA), a lei associa ao decurso do prazo legal para a tomada da de­ci­são a presunção de que a pretensão apresentada pelo requerente foi julgada conforme às exigências postas pelo ordenamento jurídico, pelo que atribui à passividade do órgão com­pe­tente o significado legal tipicizado de deferir a pre­ten­são. Estamos, pois, perante uma presunção legal através da qual a lei extrai da conduta de inércia da Administração o efeito jurídico de um deferimento que subs­ti­tui, para todos os efeitos, o acto administrativo de sentido positivo que foi omitido.
Em situações de deferimento tácito, não há, por­tan­to, lugar para a propositura de uma acção de con­de­nação à prática do acto omitido, pelo sim­ples motivo de que a produção des­se acto já re­sul­tou da lei. Poderá ser, quando mui­to, proposta — se­gundo os ter­mos da acção administrativa co­mum e desde que, para o efeito, exista, natu­ral­mente, o ne­ces­­sá­rio interesse processual (cfr. artigo 39º) — uma acção dirigida ao re­co­nhe­ci­men­to de que o acto tácito se produziu ou por­ven­tura de condenação da Ad­mi­nis­tra­ção ao re­co­nhe­cimento de que assim é, para o efeito de adoptar os actos jurídicos e/ou as operações materiais que sejam devidos por esse facto.
b) As situações de in­cum­pri­men­to, por parte da Ad­mi­nis­tra­ção, do de­ver de decidir que lei especial não qualifique como de deferi­men­to tácito eram tra­di­cio­­­nalmente qualificadas como situações de in­deferimento tácito, figura ainda hoje prevista no artigo 109º do CPA. O indeferimento tácito constituía uma ficção legal, criada por­que, no modelo tradicional do conten­cio­so administrativo de tipo francês, centrado na impugnação mesmo de ac­tos administrativos de indeferimento, era ne­ces­­sário ficcionar, em situa­ções de inércia ou omissão que lei es­pecial não qua­li­fi­cas­se co­mo de de­fe­rimento tácito, a existência de um acto ad­mi­nis­tra­ti­vo de indeferimento que pu­desse ser objecto de im­pug­na­ção.
Desde a entrada em vigor do CPTA e, com ela, desde a introdução da possibilidade da dedução junto dos tribunais administrativos de pedidos de condenação da Ad­ministração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos, é entendi­mento unânime na doutrina e na jurisprudência que o artigo 109º, nº 1, do CPA foi tacitamente re­vogado na parte em que reconhecia ao interessado “a faculdade de presumir indeferida [a sua] pretensão, para poder exercer o respectivo meio le­gal de impugnação”, devendo pas­sar a ser lido como estabelecendo apenas que a falta de de­ci­são ad­ministrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado: a partir do momento em que se deixa de fazer depender o aces­so à jurisdição ad­mi­nis­tra­tiva da existência de um acto adminis­tra­tivo, com efespecíficos em que a lei preveja a formação de deferimentos tácitos, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir por parte da Ad­mi­nistração passou, assim, a ser tratado como a omis­são pura e simples que efec­ti­va­mente é, ou seja, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma de­ci­são judicial de con­de­na­ção à prática do acto ilegalmente omitido. Por esse motivo, o Código tem o cuidado de evitar utilizar, em qual­quer dos seus pre­ceitos, a palavra silêncio a este propósito (cfr. artigos 69º, nº 1, e 79º, nº 5) e quando fala de indeferimentos (por exemplo, nos artigos 69º, nº 2, ou 79º, nº 4), só se refere a verdadeiros actos administrativos (actos expressos, portanto) e nunca a si­tua­ções de pura inércia ou omissão, em que não existe um acto de indeferimento.
Como resulta do artigo 67º, nº 1, alínea a) (cfr. também artigo 69º, nº 1), existe um prazo legal para a emissão do acto devido, uma vez expirado o qual o interessado fica habilitado a fazer valer em juízo o seu direito ao acto ilegalmente omitido. Na au­sên­cia de dis­posição especial, esse prazo continua a ser determinado por aplicação das regras do artigo 109º, nºs 2 e 3, do CPA. Aí se estabeleceeito, o prazo-regra de noventa dias, que se conta em dias úteis, nos termos previstos no artigo 72º do CPA: é, pois, uma vez expirado esse prazo que o inte­res­sa­­­­do fica dispensado de continuar a aguar­dar a decisão da Ad­­­mi­nis­tração e legitimado a exigir contenciosamente a prática do acto de­­vido.
Como foi oportunamente referido, o CPTA não obsta à exis­tên­cia de im­pug­nações administrativas necessárias e, portanto, não tem, só por si, o alcance de er­ra­di­­car a figura do recurso hie­rár­quico ne­cessário. Justifica-se, por isso, uma refe­rên­cia à si­tua­ção em que fica colocado o titular de uma posição subjectiva de conteúdo pre­ten­­sivo que, ten­do apre­sen­tado um requerimento a um órgão subordinado, se veja confron­tado com uma atitude de omis­são do dever de decidir em situações em que, nos termos da lei, deva haver lugar à interposição de recurso hie­­­rár­quico ne­ces­sário.
A nosso ver, quer haja omissão ou recusa, há lugar à interposição de recurso hierár­quico necessário, quando ele for exigido por lei especial. O recurso não tem por objecto necessa­ria­men­te um acto do subordinado, mas a sua conduta, ainda que omissiva. Como resulta do que foi dito no ponto anterior, quan­do o subordinado tenha, porém, perma­ne­ci­do omisso, o objecto do recurso hierár­qui­co não é um acto ficto ou pre­­su­mi­do, mas a pró­pria conduta factual de inércia do su­bor­dinado.
No silêncio da lei, pa­rece dever ser de um ano, de har­monia com o dis­pos­­­to no arti­go 69º, nº 1, o prazo dentro do qual o interessado deve interpor o re­cur­­­so hie­rár­qui­­co ne­ces­sá­­rio, no caso de se ver confrontado com uma atitude de inércia por parte do ór­gão su­bor­di­­nado perante o qual apre­sentou o seu reque­ri­mento.Deve, entretanto,  entender-se que o artigo 175º, nº 3, do CPA passa a ter o alcance de de­ter­mi­nar que, sempre que, tendo sido interposto recurso hierárquico necessário, não haja resposta do superior, o re­curso hie­rár­qui­co só se considera tacitamente in­deferido para o efeito de permitir que o interessado requeira ao tribunal ad­mi­nis­tra­tivo com­petente a condenação da Administração (re­cor­de-se: da pessoa colectiva pública ou do Ministério demandados) à prática do acto ad­mi­nistrativo de­vido. Tal como sucede com a do su­bor­­di­na­do, e pelas mesmas razões, a eventual atitude de inércia ou omissão que o superior ve­nha a adoptar neste contexto não deve con­tinuar, a nosso ver, a ser qualificada como um acto ju­­rídico (que não existe), mas como o mero fac­to que efectivamente é e cuja ocorrência, de­cor­rido o pra­zo legal, tem o estrito alcance de abrir o acesso à via con­ten­ciosa, sem influir so­­bre os termos em que deve ser de­ter­minado o objecto do pro­ces­so a intentar perante os tri­bunais administrativos — processo que não pode deixar, portanto, de ter por objecto o mes­mo re­co­nhe­ci­men­to ju­di­ci­al do direito do interessado ao acto devido que te­ria se a ac­ção pu­des­se ter sido ime­dia­tamente proposta perante a inércia ou a re­cu­sa do próprio ór­gão subordinado . 

1.2. Indeferimento da pretensão do interessado

O segundo tipo de situações em que pode ser pedida a condenação à prática de um acto ad­mi­nistrativo, previsto no artigo 67º, nº 1, alínea b), é aquela em que tenha sido indeferida a pretensão deduzida pelo interessado, através da re­cu­sa­ expressa da prá­ti­ca do acto requerido.
Como já vimos, a reacção contra actos ad­mi­nis­trativos de indeferimento não pode ser objecto de um pro­cesso im­pug­na­tório, dirigido à mera anulação ou declara­ção de nulidade desses actos, mas processa-se através de um processo de condenação, que, portanto, não funciona apenas como um ins­tru­mento de tutela con­tra si­tua­ções de inércia ou omissão, mas po­de ser utilizado inde­pen­den­te­men­te da ques­tão de saber se a Administração respondeu ou não à pre­ten­são que, nesse sentido, lhe foi apre­sen­ta­da pe­lo interessado.
Como claramente resulta dos artigos 51º, nº 4, e 66º, nº 2, quando se veja, pois, con­­fron­ta­do com um acto de indeferimento, o titular de uma po­si­ção sub­jec­ti­va de con­­teúdo pre­ten­si­vo deve fazer valer a sua própria posição subs­­tantiva, em todas as dimensões em que ela se des­dobra, no âm­bito de um processo de con­denação da Ad­mi­nis­tração à prática do acto ilegalmente recusado. O artigo 66º, nº 2, tem, entretanto, o cuidado de esclarecer que a eliminação do eventual acto de indeferimento da ordem jurídica resulta, só por si, da pronúncia de con­de­na­ção me­dian­te a qual o tribunal imponha a sua subs­tituição pelo acto devido.

1.3. Recusa de apreciação do requerimento

O terceiro tipo de situação em que pode ser pedida a condenação à prática de um acto ad­mi­nistrativo, previsto no artigo 67º, nº 1, alínea c), é aquela em que tenha sido re­cu­sa­da a apreciação do requerimento dirigido à prá­ti­ca do acto administrativo.
O pedido de condenação da Administração à prática de actos administrativos de­vi­dos também po­de ser, pois, de­duzido inde­pen­den­te­men­te da questão de saber se, ao proferir o acto de indeferimento, a Administra­ção se pronunciou sobre o mé­rito da pretensão, ou se, pelo contrário, ela se li­mitou a recusar limi­nar­men­te a sua apre­­­­cia­ção.
Esta última situação compreende duas sub-hipóteses, dado que a recusa de apreciação tanto se po­de basear em mo­tivos de ordem for­mal, como em considerações que envolvam a for­mu­lação de juízos va­lorativos quanto à opor­tunidade de decidir.Por isso, a recusa tanto po­de ser contes­ta­da com fun­da­mento na inexis­tência de facto dos motivos de ordem for­mal ou com a falta de fundamento nor­ma­ti­vo que permitisse a sua invocação — desde logo, eventual discordância em relação à interpretação que a Administração faça do artigo 9º, nº 2, do CPA —, como com ba­se na existência de circunstâncias que, no caso concreto, restrinjam ou eliminem a dis­cri­cio­na­rie­dade de acção que, em abstracto, a lei confira à Administração e de que ela se arrogue para se recusar a agir.
Cumpre notar que, mesmo neste tipo de situações, em que o autor se viu confrontado com uma decisão que recusou a própria apreciação do requerimento apresentado, ele leva a juí­zo a sua posição sub­­jec­ti­va de con­teúdo pretensivo, em todas as dimensões em que ela se desdobra. Os termos em que se define o objecto do processo de condenação que, neste caso, ele intenta não diferem, por isso, no essencial, daqueles em que ele se define nos outros processos de condenação à prática de actos administrativos.

Ana Rita Costa Ribeiro
Subturma7


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