terça-feira, 3 de maio de 2011

A organização judiciária administrativa em Portugal


 A solução da reforma de 2002

 Não ocorreu, entre nós, uma reforma como a que se operou em Espanha, sendo que, chegamos a 25 de Abril de 1974 com duas auditorias administrativas dependentes do Ministério do Interior, tribunais tributários de 1ª instância distritais e um tribunal de 2ª instância das contribuições e impostos na dependência do Ministério das Finanças (reforma de 1963), duas auditorias fiscais (Lisboa e Porto) para conhecer de questões em matéria aduaneira, também na dependência do Ministério das Finanças.
Na cúpula tinhamos o Supremo Tribunal Administrativo na dependência da Presidência do Conselho de Ministros, com 4 secções (administrativa, tributária, aduaneira e do trabalho).
Com o 25 de Abril de 1974 vamos assistir a mudanças determinantes através do Decreto-Lei nº 250/74, de 12 de Junho, tendo sido o Supremo Tribunal Administrativo e as auditorias administrativas integradas no Ministério da Justiça como era próprio dos tribunais judiciais, já os tribunais tributários e aduaneiros mantiveram-se na órbita do ministério das Finanças.
Nos trabalhos preparatórios da CRP de 1976, o projecto do CDS era o mais detalhado nesta matéria e seguia a tradição da I República, integrando os tribunais administrativos na jurisdição ordinária como tribunais especializados (o projecto designava-os tribunais do contencioso administrativo, tribunais especiais dentro da ordem judicial). No Tribunal da Relação de Lisboa havia uma secção de contencioso administrativo,  existindo também uma  secção de contencioso administrativo no Supremo Tribunal de Justiça.
Já quanto ao projecto do PPD, este conectava-se intimamente com a tradição republicana, promovendo a integração da justiça administrativa na jurisdição ordinária através de tribunais especializados. O Sr Professor Jorge Miranda, deputado do PPD, na época,  lutou pela unidade de jurisdição sendo que, apresentou uma proposta com o seguinte texto: “Todos os tribunais são judiciais, salvo os tribunais militares e o Tribunal de Contas”, tendo sido rejeitada por ser considerada demasiado ambiciosa.
O texto apresentado pela 6ª Comissão acabou por prevêr a existência de tribunais judiciais, de tribunais militares e de um Tribunal de Contas, não havendo qualquer referência aos tribunais administrativos e fiscais. De seguida, foi apresentada uma proposta de aditamento com a seguinte redacção: “Poderá haver tribunais administrativos e fiscais”, tendo como objectivo evitar que estes ficassem inconstitucionalizados. A utilização da expressão tribunais administrativos e fiscais na CRP é o resultado do facto de existir na altura tribunais administrativos e fiscais e não de haver uma intenção de criar separadamente tribunais administrativos e fiscais.
Ficou constitucionalmente em aberto a hipótese  de integrar os tribunais administrativos e tributários nos tribunais judiciais ou de constituir uma organização separada.
Em 1977, foi publicada uma importante reforma da organização judiciária, a primeira ao abrigo da CRP de 1976 e nela não foi feita  nenhum tipo de referência aos tribunais administrativos e tributários, tendo sido esse o momento mais propício para fazer a integração deles numa única ordem judiciária. Ficou aberta, deste modo,  a porta para a consagração autónoma destes tribunais, sendo que foi o que aconteceu em 1984 com a publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Estabeleceu-se no ETAF, uma organização judiciária separada dos tribunais judiciais. Em matéria administrativa foram consagrados três tribunais administrativos de círculo (Lisboa, Porto e Coimbra) e o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
O ETAF estabeleceu um órgao de auto-governo da magistratura semelhante ao Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A revisão constitucional de 1989 veio dar plena cobertura à opção legislativa de 1984 ao estabelecer expressamente que existiam no nosso ordenamento jurídico o STA e os demais tribunais administrativos e fiscais.
Em 1996, assiste-se uma nova reforma da organização judiciária administrativa e tributária, com um âmbito bastante significativo. Foi ,então, criado o Tribunal Central Administrativo (TCA) para descongestionar o volume de acções do STA, principalmente em matéria de função pública, sendo que ao mesmo tempo, o Tribunal Tributario de 2ª Instância foi absorvido. A partir dessa data, temos um TCA com uma secção do contencioso administrativo e uma secção do contencioso tributário. O TCA, foi muito criticado por ser um enxerto no sistema mas teve, todavia, um papel importante no progresso da justiça administrativa em Portugal, começando uma mudança necessária.
Em 1999 desapareceram os tribunais fiscais aduaneiros integrados nos tribunais tributários de 1ª instância, tendo-se instalado os tribunais agregados (administrativos e tributários) dos Açores e da Madeira. O Decreto-Lei nº 301-A/99, de 5 de Agosto, criou os tribunais administrativos de círculo de Braga e de Faro.

A organização judiciária administrativa
Em 2002 ocorreu a maior reforma da organização judiciária administrativa e tributária em Portugal, entrando em vigor em 1 de Janeiro de 2004. Através da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro (o novo ETAF), que foi complementado pelo Decreto-Lei nº 325/2003 e alterado pela Lei nº 107-D/2003.             A Lei nº 15/2002 foi  alterada  pela Lei nº 4-A/2003, que entrou em vigor também em 1 de Janeiro de 2004.
Tinhamos, em Dezembro de 2003, três tribunais administrativos de círculo em todo o continente. Nas regiões autónomas existiam dois tribunais administrativos e fiscais agregados. Tinhamos também, para completar a estrutura judiciária até 31 de Dezembro de 2003, o TCA e o STA, com 2 secções, ambos.
A estrutura organizativa que temos hoje, depois das significativas alteracões ao ETAF de 2002 introduzidas pela Lei nº 107-D/2003 e da publicação da Portaria nº 1418/2003, de 30 de Dezembro, passou a ser a seguinte:
a) 16 tribunais administrativos e fiscais (Braga, Porto, Penafiel, Mirandela, Viseu, Coimbra, Leiria, Lisboa, Loures, Sintra, Almada, Castelo Branco, Beja, Loulé,
Funchal e Ponta Delgada).
b) 2 tribunais centrais administrativos: Norte, com sede no Porto e Sul, com sede em Lisboa, ambos com 2 secções.
c) Supremo Tribunal Administrativo (Lisboa), com duas secções.
Foram instalados, ao mesmo tempo, juizos liquidatários que seriam extintos quando deixasse de se justificar a sua existência, no Tribunal Central Administrativo Sul, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa e no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Estes juizos, constituindo o 1º Juizo dos respectivos tribunais, têm como objectivo liquidar os processos que se encontravam pendentes naqueles Tribunais.
Em todos eles existe um 2º Juizo constituído para receber os processos novos.
O TAF de Aveiro foi também criado, mas mais tarde.
No que concerne à distribuição da competência para conhecimento dos litígios pelos vários Tribunais  é crucial, desde logo, considerar a regra da entrada de todos os litígios nos tribunais de 1ª instância, contribuindo-se, mais uma vez, para romper com uma velha tradição que mandava apreciar pelos tribunais de grau superior os litígios em que estavam envolvidas altas autoridades.
Nos termos do artigo 44º do ETAF, “compete aos tribunais administrativos de circulo conhecer em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores (...)”.
As excepções em matéria administrativa prendem-se com todos os processos em que são partes o Presidente da República, a Assembleia da República e o seu presidente, o Conselho de Ministros, o Primeiro-Ministro, o Tribunal Constitucional e o seu Presidente, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal de Contas e o seu Presidente e o Presidente do Supremo Tribunal Militar, o Conselho Superior de Defesa Nacional, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o seu presidente, o Procurador- Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público. Para estes processos é competente a secção de contencioso administrativo do STA (artigo 24º do ETAF). Em matéria tributária, fogem à regra da entrada em tribunais tributários de 1ª instância, entrando de imediato na secção de contencioso tributario do TCA, conforme as regras de competencia territorial irão para o Norte ou para o Sul sendo que, os processos em que estão em causa actos administrativos respeitantes a questões fiscais praticados por membros do Governo e pedidos de declaração de ilegalidade de normas administrativas de âmbito nacional, emitidas em matéria fiscal (artigo 38º, als. b) e c) do ETAF). Por sua vez, os processos em que em causa estão actos administrativos do Conselho de Ministros respeitantes a questões fiscais entram na secção de contencioso tributário do STA (artigo 26º,  al. c) do ETAF).
A apreciação dos litígios que caem no âmbito da jurisdição administrativa cabe, em geral, aos tribunais de primeira instância, sendo que cabem aos tribunais superiores outras funções.
Cabe ao TCA, na sua secção de contencioso administrativo conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos das decisões dos tribunais administrativos de círculo, com excepção dos quais é competente o STA, segundo o disposto na lei de processo, tendo como principal tarefa estas secções do TCA do Norte e do Sul a apreciação em recurso das decisões dos tribunais administrativos de 1ª instância.
Compete à secção de contencioso administrativo do STA, como Tribunal de cúpulo do Contencioso administrativo, conhecer recursos de revista sobre matéria de direito, e não de facto, interpostos de acordãos dos Tribunais Centrais Administrativos e ainda, em casos especiais,previstos na lei processual, recursos de decisões de tribunais administrativos de círculo (artigo 24º, nº 2 do ETAF).
Os recursos de revista de decisões de tribunais administrativos de círculo que chegam ao STA, ultrapassando o TCA, são aqueles em que, o valor da causa é superior a três milhões de euros ou seja indeterminável, sendo necessário que se suscitem somente questões de direito (artigo 151º, nº 1 do CPTA), não ocorrendo, todavia, este recurso de revista per saltum se o processo em causa disser respeito a problemáticas de funcionalismo público ou relacionadas com formas públicas ou privadas de protecção social (artigo 151º, nº 2 do CPTA).
O STA tem competência para se pronunciar vinculativamente sobre uma questão de direito nova surgida num tribunal administrativo de círculo que suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutros litígios (artigo 25º, nº 2 do ETAF e artigo 93º do CPTA), sendo necessário que o presidente do tribunal administrativo de circulo requeira a intervenção do STA, podendo não a requerer e determinar que no julgamento do processo intervenham todos os juizes do tribunal, sendo o quorum de dois tercos. O STA, formado por três juizes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo terá de aceitar a apreciação da questão (artigo 93º nº 3 do CPTA).
No artigo 37º do ETAF estão presentes outras funções do STA, estando aqui presentes as acções de regresso contra magistrados.
O pleno da secção do contencioso administrativo do STA tem competência também para conhecer dos recursos de acordãos proferidos pela secção em primeiro grau de jurisdição e dos recursos para uniformização de jurisprudência (artigo 25º nº 1 do ETAF).
Esta reforma  avançou bastante, por vezes mais do que se esperava, e deu passos decisivos em matéria organizatória,  agregando os tribunais administrativos e tributários de 1ª instância e criando uma rede que cobre todo o território nacional e tendo o auxílio do desdobramento do TCA em dois tribunais centrais administrativos (Norte e Sul).
 Se tivermos em conta que, nos termos da lei processual, quase todos os processos entram agora em 1ª instância nos tribunais administrativos (salvo alguns que entram directamente no STA), que os tribunais centrais administrativos são tribunais de 2ª instância e que o STA é fundamentalmente um tribunal de revista, temos uma estrutura organizatória que se aproxima da que é hoje a organização da jurisdição ordinária comum e que é a mais racional, havendo a apreciação inicial dos litígios pelos tribunais de 1ª instância, depois recurso de apelação para os tribunais centrais administrativos (2ª instância) e recurso de revista para o STA.
A reforma da justiça administrativa colocou-nos entre os primeiros países da Europa (Alemanha, Espanha e França), nesta matéria e soube articular a defesa dos direitos subjectivos com a defesa do cumprimento de importantes interesses públicos por parte da Administração. 


Janine Lopes Saraiva, nº17325

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