quarta-feira, 25 de maio de 2011

Viagem Supersónica pelo Código dos Contratos Públicos

Sob pena de não irmos tratar desta matéria, dado não termos tido Direito Administrativo III, aqui fica aqui um breve guia do Código, sem grande aprofundamento, para apenas não dizermos que não sabemos o que trata.
Aqui vai.


O Código dos Contratos Públicos é um diploma que regula duas grandes matérias: a formação e a execução de contratos públicos, ou seja,

a) por um lado, diz como é que os contratos públicos podem ser celebrados, ou seja, estabelece as regras dos procedimentos que dão origem a um contrato público

b) por outro lado, disciplina, umas vezes de forma imperativa, outras vezes de forma supletiva, aspectos muito importantes da execução do contrato, nomeadamente as obrigações e os poderes das partes, o incumprimento, a modificação do contrato, etc.

A fase da formação do contrato decorre desde que é tomada a decisão de contratar até ao momento em que o contrato é celebrado. A esta matéria é tradição chamar-se em Portugal a contratação pública.

A fase da execução do contrato decorre da celebração do contrato em diante.

O Código efectua a transposição das Directivas n.os 2004/17/CE e 2004/18/CE, (ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março) e codifica as regras, até então, dispersas pelos seguintes diplomas:

a) Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (empreitadas de obras públicas)

b) Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho (aquisições de bens e serviços)

c) Decreto-Lei n.º 223/2001, de 9 de Agosto (empreitadas e aquisições no âmbito dos sectores especiais)

d) Vários outros diplomas e preceitos avulsos relativos à contratação pública

O código resultou da necessidade de transposição de directas comunitárias, como já foi referido, bem como da existência de uma preocupação forte com o mercado comum entre os Estados, o que em bom rigor o tornou complexo e confuso. A justificação de transposição de duas directivas, prende-se com a aplicação face a sectores diferentes, nos termos do artigo 7º.
  •  Estrutura:
-> Parte I - âmbito de aplicação e parte introdutória;
-> Parte II - regras da contratação pública
-> Parte III - regime substantivo que vai regular os contratos públicos que já não resultam das directivas. É esta parte que vem revogar a que estava no CPA.
 
  • Parte I

O artigo 1º do CCP vem abordar sumariamente o âmbito tanto da parte II como da parte III.
Do preceito do artigo 1º nº2 resulta que o regime da contratação pública é aplicável tanto aos contratos púbicos em si como à sua formação, nomeadamente aos procedimentos administrativos que ocorrem na fase pré-contratual.
É também neste artigo que se definem “contratos públicos”, consistindo estes em todos aqueles que forem celebrados por entidades adjudicantes definidas no artigo 2º, no qual se indica que estas podem ter tanto natureza pública como privada.
Existe uma ressalva que deve ser feita, pois a parte II não se aplica a todo e qualquer contrato público, conforme resulta doas artigos 4º,  5º nº1 e 16º.
Na verdade, a parte II só se aplica a contratos que estejam submetidos a uma lógica concorrencial, dado todo o Código estar pensado para contratos numa lógica de mercado. Assim, na prática, o código aplica-se aos contratos elencados no 16º, embora não de forma fechada.

Na parte I, encontram-se assim definidos os dois âmbitos deste código, em termos genéricos, consistindo o âmbito subjectivo nos contratos celebrados por entidades adjudicantes e o âmbito objectivo, nos contratos sujeitos a uma lógica concorrencial

Quanto às entidades adjudicantes, apenas algumas notas de elenco e tipologia do artigo 2º:
i)  Entidades organicamente públicas - 2º nº1
    - aqui, existe aplicação do artigo 6º nº1, ou seja, os contratos de sociedade ficam sujeitos a este  regime. Quanto ás entidades do 2º nº2, não existe aplicação.
ii) Organismos públicos:
     - podem estar em causa privados se tiverem os requisitos do nº1 alínea a) preenchendo o i) e ii)
iii) Existência de carácter industrial e comercial - 2º nº3
     - se a entidade actuar sob uma lógica de mercado, não se aplica o Código
     - se não actuar, fica submetida ao regime do Código.

  •  Parte II

Esta parte existe para entrar em detalhe face o regime dos procedimentos previstos no artigo 16º nº1:

(1) Ajuste directo - Administração Pública escolhe livremente com quem quer contratar, quase numa espécie de analogia rebuscada com a autonomia privada das partes nos seus contratos

(2) Concurso público - em traços gerais, a Administração Pública tem que apresentar o concurso, dentro de um certo prazo, tem que existir um júri, bem como apresentação de propostas para que possam ser apreciadas pelos mesmos. É um procedimento aberto a todos os interessados.

(3) Concurso ilimitado a prévia qualificação - procedimento prévio que escolhe certas entidades e estas têm que apresentar propostas.

(4) Negociação

(5) Diálogo concorrencial - entre as partes

Como optar?
i) Critério do valor - aferido em virtude do valor do contrato em causa, aferido nos termos dos artigos 17º e seguintes.
ii) Critério material - aferido nos termos dos artigos 23º e seguintes, havendo, no entanto, casos específicos em que independentemente do valor se decide estritamente através de critérios materiais.
Ex: urgência fundada e prestações infungíveis justificam o ajuste directo
 
Contrato Administrativo

Esta parte veio revogar o regime previsto no CPA, nomeadamente os artigos 178º e seguintes.
Entende-se por “Contrato administrativo”, em termos gerais, o acordo de vontades que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica, sendo que o artigo 1º nº6 dispõe vários critérios para tal.

Nesta sede, a Prof. Maria João Estorninho, na sua tese, veio analisar todos os critérios para definição de um contrato como administrativo.
Olhou para o regime dos contratos administrativos, dado a Administração Pública poder celebrar contratos privados e públicos (administrativos) para aferir quais as diferenças entre o regime privado e público.
No âmbito do contrato administrativo, o contraente público tinha poderes especiais que a generalidade dos contraentes privados não têm, mas constatou que esses poderes não eram assim tão excepcionais
Constatou também que, na fase pré-contratual, por força do Direito Comunitário, tanto os contratos privados como os públicos estão sujeitos a um regime público por escolha do contraente, o que a fez concluir que não faz sentido continuar a reconhecer esta distinção.
Era uma posição minoritária pois a doutrina tradicional continuava a defender a distinção.

Hoje, o CCP mantém a figura do contrato administrativo sujeito a um regime de direito público com poderes especiais da Administração Pública, nos termos do 302º CCP, admitindo-se que a mesma possa celebrar contratos que, na fase pré-contratual, escolham o contraente, por força do Direito Comunitário, por regime público.

Nos termos do artigo 1º nº6 CCP, uma das partes tem que ser pública obrigatoriamente, por definição de contraente público , nos termos do artigo 3º CCP:
i) Nos termos da alínea a) temos o critério da qualificação, ou seja, seja expressamente qualificado (pela lei ou pelas partes) e o critério de regime substantivo, ou seja,  se for submetido a esse regime substantivo de direito público;
ii) Nos termos das alíneas b) e c) temos o critério do objecto de Direito Público
iii) Nos termos da alínea d) temos o critério cumulativo, ou seja, existe um regime jurídico pré-contratual e a extinção da relação, por via de um regime pré-contratual de direito público e uma prestação do particular que substitui a realização das atribuições do contraente público.
 
  •  Parte III

No seu Título I  temos as regras gerais aplicáveis a todos os tipos de contratos administrativos.

Nos termos do artigo 302º, a Administração Pública tem poderes próprios e, de certa forma, exorbitantes, pois nos contraentes privados não existem, nomeadamente os poderes de direcção, fiscalização, modificação unilateral ou ius variandi, poder sancionatório e de resolução, encontrando-se estes poderes densificados nos termos dos artigos 303º, 304º e 305º.
Quando a Administração Pública exerce esses poderes, esses poderes têm a força de declarações (307º nº1) ou actos administrativos (307º nº2).
Quando os exerce genericamente, fá-lo através de acto, mas quando os exerce perante a validade ou interpretação ou execução regulada nos poderes do contrato é através da declaração negocial.

Nos termos do artigo 309º, existe apenas tutela executiva, se for a tribunal, sendo que em regra, a tutela é meramente declarativa. No entanto, nos termos do artigo 308º, como os sujeitos não estão sujeitos ao regime do CPA, logo não há audiência prévia a não ser que se preveja sanção.

Face às alterações contratuais, o CPA revela-se mais simples do que o CCP, embora tenha condicionantes, como indica o 180º:
1) respeito pelo objecto do contrato - podia modificar-se o contrato, mas não elaborar um novo contrato.
2) Equilíbrio económico-financeiro - é bom para os concessionários que conseguem sempre uma negociação mais vantajosa.
No CCP, temos o 312º, no qual está prevista a modificação unilateral por alteração das circunstâncias e por interesse público.

Face ao poder previsto no artigo 312º, o artigo 313º impõe certos limites, nomeadamente, o respeito pelo objecto do contrato e a não alteração das condições de concorrência, sob pena de ser observado o  artigo 314º.

De resto, temos vários outros capítulos nesta Parte III, do qual o seu conteúdo, como a própria designação indica, dizem respeito ao procedimento da matéria em causa, elencando apenas agora os mais relevantes:
- Capítulo VI - cessão de posição contratual e subcontratação
- Capítulo VII - incumprimento do contrato
- Capítulo VIII - extinção
- Capítulo IX - regras especiais
- Secção II - contratos inter administrativos

Espero que a exposição, procurando apenas abordar as partes essenciais, tenha pelo menos servido de panorama geral.

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