sexta-feira, 29 de abril de 2011

Procedimentos cautelares

           A justificação dos procedimentos cautelares advém do facto de a demora na satisfação judicial do interesse protegido pela acção criar o risco de prejuízo para o seu titular, daí o relevo Constitucional da obtenção de uma decição num prazo razoável e que seja assegurado o “efeito útil da decisão” que sem as Providências Cautelares não é conseguido, muitas vezes (periculum in mora). Por isso a lei permite que, através dum processo mais simples e rápido (summaria cognitio) mas, por isso, menos seguro, demonstrada uma mera probabilidade séria da existência do direito (fumus boni juris), o tribunal possa decretar uma composição provisória do litígio, que permita esperar pela composição definitiva.
Representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita concluir pela provável existência do direito (fumus boni juris) e pelo receio de que tal direito seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).
São finalidades deste instrumento jurídico desde logo, a necessidade de garantir um direito (tomam-se medidas que garantam a utilidade da composição definitiva; em segundo plano visa definir-se uma regulação provisória (define-se uma situação provisória ou transitória) e antecipa-se a tutela pretendida ou requerida (atribui-se o mesmo que se pode obter na composição definitiva.  E assim podem classificar-se em providências de garantia,  providências de regulação e providências de antecipação.
As Providências Cautelares  apresentam como característica a Subsidiariedade: a Providência cautelar não especificada apenas se aplica se ao caso não couber nenhum dos procedimentos nominados, tendo de haver uma adequação da providência ao fim pretendido.
            As Providências Cautelares têm como característica a dependência, sendo que são sempre dependência de uma acção cujo objecto é a própria situação tutelada ou acautelada por isso, a providência cautelar caduca se a acção principal vier a improceder ou se o réu for absolvido da instância e não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção. Podem ser requeridas antes ou durante a pendência da acção principal – preliminar ou incidental.
            Em traços bastante simples, que serão desenvolvidos, temos como características fundamentais das Providências Cautelares no contencioso administrativo a Celeridade (carácter urgente), a Modificabilidade (o tribunal não está adstrito à providência requerida, podendo decretar outra adequada), a Cumulação (pode o requerente solicitar diversas providências num só procedimento, isso significa que se podem cumular diferentes providências comuns, mas também providências comuns e especificadas, basta que na acção principal se possam cumular diferentes pedidos).
            Importa fazermos referência à importância do Princípio da Proporcionalidade, pois, as medidas tomadas não podem impôr ao requerido um sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses a acautelar ou tutelar provisoriamente.
A decisão sobre a Providência Cautelar tem uma eficácia relativa, por via de regra, na medida em que, em geral, não produz efeitos de caso julgado na respectiva acção principal e o seu decretamento não é vinculativo na acção principal, já que, julgada esta improcedente, a providência caduca.  
Há um modelo de tramitação tendencialmente uniforme para a generalidade das solicitações, todas elas devendo ser formuladas, desde logo, em " requerimento próprio " ( art 114º, nº1 do CPTA), cujos requisitos externos, como a identificação da entidade demandada e dos contra-interessados a quem a adopção da providência em concreto possa directamente prejudicar são minuciosamente elencados. O proferimento de despacho liminar restringe-se a situações extremas de manifesta falta de fundamento material da pretensão ou à detecção de excepções dilatórias insupríveis, de conhecimento oficioso, regulando-se a citação dos contra-interessados e estabelecendo-se um ordenamento comum relativo à produção e eficácia da prova, no qual se destaca, pela novidade que constitui.
Temos várias características como sendo apontadas para as Providências Cautelares no Contencioso Administrativo, sendo que, desde logo,  à partida, temos o seu cunho instrumental, pois, as Providências Cautelares não gozam de autonomia funcional, dependendo de um processo principal ,ainda que a intentar, perdendo a sua eficácia com a prolação da sentença.
Maria Fernanda Maças, vem dizer-nos que, as Providências Cautelares, ao contrário da acção principal da qual dependem não visam em primeiro plano realizar a justiça mas dar tempo para que a justiça se possa fazer, pois, os processos cautelares destinam-se, antes de mais, a acautelar a utilidade da sentença a proferir num processo que vise a tutela definitiva de uma posição juridicamente relevante, sendo a sua característica principal a instrumentalidade destes face aos processos principais (nº 1 do art 113º do C.P.T.A. e nº 1 do art 383º do C.P.C.).    
A característica da instrumentalidade dos meios cautelares inviabiliza a possibilidade de obtenção, através do decretamento de qualquer providência, de vantagem ou benefício superior à que resultaria do total provimento da causa principal.  
Há que distinguir a instrumentalidade estrutural do processo e a instrumentalidade substancial da providência, sendo que, a primeira se reporta  ao meio processual, ao processo cautelar, e à sua dependência (instrumentalidade) e subordinação face ao processo principal enquanto a segunda respeita à característica e natureza instrumental e provisória da providência cautelar, da concreta medida cautelar, face ao pedido principal.
É de referir, em segundo lugar, o traço característico da provisoriedade da tutela cautelar presente no artº 124º na medida em que, as providências cautelares visam possibilitar, em linhas gerais, uma antecipação transitória do efeito visado no processo principal, mas sem que esse ganho provisório obtido com a providência cautelar signifique a aquisição do que só a título definitivo da sentença produzida na acção principal poderia vir a ser jurisdicionalmente determinado. Desde que adoptada (se adoptada) a providência, continuará ela em vigor até à conclusão do processo principal, podendo, não obstante, porque provisória, ser modificada, substituída ou revogada ao longo do curso da acção principal, se existirem alterações dos factos que o justifiquem nos termos dos arts 388º nº 2 do C.P.C. e 1.º do C.P.T.A.
A sumariedade, consequência da própria natureza instrumental da decisão, pretendendo demonstrar o tipo de cognição superficial que é suposto verificar-se, na obediência dos critérios definidos no artº 120º, quanto ao preenchimento dos requisitos comuns do " periculum in mora " e do " fumus boni iuris", esperando-se do julgador que fundamente a decisão de índole cautelar num mero juízo de verosimilhança quanto à existência do direito alegado, sendo que como nos diz o Sr Professor Castro Mendes, “o conhecimento exaustivo traria somente inconvenientes, pois, nesse caso o processo seria tão moroso como a acção principal, ficando, assim, frustrados os objectivos prosseguidos através dos procedimentos cautelares. "  
A urgência é uma característica bem vincada em toda a tramitação para a obtenção de uma providência cautelar (arts 113º, nº 2 e 36º, nº 1, alínea e e nº 2, essencialmente, podendo captar-se idêntica ponderação ao nível dos arts 118º e 119º).
As Providências Cautelares têm uma vocação funcional imediatista, (arts 122º nº 1 e 127º), sob três tipos distintos de mecanismos (execução forçada, sanção pecuniária compulsória e sujeição dos agentes da Administração Pública a responsabilidade civil e disciplinar), tendo como objectivo a obtenção do efeito imediato do seu cumprimento por parte da Administração, cabendo assinalar, em tais termos, essa mesma vocação natural, que deve ser observada logo a partir da notificação da pertinente decisão, sem que se tenha de aguardar pelo trânsito em julgado, visto o efeito meramente devolutivo dos recursos que venham a ser interpostos de decisões respeitantes à adopção das providências cautelares (143.º n.º2).                                                                                                             
            São, em síntese, pressupostos das Providências Cautelares o periculum in mora, sendo este um elemento constitutivo da providência, se não existir esta não será decretada, o Fumus boni juris, sendo esta consequência da summaria cognitio, o grau de prova tem de ser apenas suficiente para a demonstração da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente. Mas o mesmo vale para a demonstração pelo requerido do excesso da providência e para a contraprova realizada pelo requerido para a qual basta que sejam demonstradas dúvidas sobre a probabilidade dos factos alegados pelo requerente.
O art 112º, nº2 prevê a máxima amplitude substancial das medidas cautelares, sendo que se  procedeu no C.P.T.A., com a Reforma, à integração de uma ampla viabilidade de utilização, das providências cautelares na concepção do direito à tutela judicial efectiva ao abrigo dos arts 20º e 268º, nº 4 da C.R.P.
Existe um vasto conjunto de Providências Cautelares nominadas, havendo a possibilidade de adopção de quaisquer medidas cautelares, sendo que o art 112º, nº2 não exclui a utilização de outros meios, tipicamente administrativos ou de previstos no CPC. Carla Amado Gomes considera que a "introdução, no processo administrativo, de medidas cautelares atípicas, que possibilitem aos particulares vencer os efeitos da inércia dos serviços administrativos na concessão de autorizações", sem deixar, contudo, de advertir para "o melindre de tal utilização, na medida em que (...) a actividade administrativa neste domínio está eivada de forte discricionariedade ".
A Enunciação exemplificativa do art 112º, nº 2 do CPTA como nos diz Freitas do Amaral, "também aqui, em matéria de providências cautelares, passámos definitivamente de um contencioso de mera anulação (...) para um contencioso de plena jurisdição,  que comporta toda uma vasta gama de providências cautelares, que podem ir até à intimação da Administração a realizar prestações de fazer ou de não fazer, de pagar, ou de dar, e que designadamente podem incluir a intimação, que é como quem diz a condenação, da Administração, a não praticar um acto administrativo".
As Providências Cautelares nominativas que surgem no Código são, para além da suspensão da eficácia de um acto administrativo (objecto de tipificação nos arts 128º e 129º), a da suspensão de eficácia de normas regulamentares (no condicionalismo requerido pelos arts 130º e 72º e ss), a admissão provisória em concursos e exames, a atribuição provisória da disponibilidade de um bem, a autorização provisória da disponibilidade de um bem, a autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta, a regulação provisória de situações jurídicas e a intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo.
            A (nova) suspensão de eficácia, como refere o Sr Professor Vieira de Andrade , " pressupondo, em regra, o perigo de facto consumado ou de prejuízo de difícil reparação, é decretada em função de considerações de juridicidade material prima facie e em conformidade com uma ponderação de todos os interesses, públicos e privados em presençaagora sem o autoritarismo da presunção da legalidade do acto e negando a preponderância sistemática do interesse público que o acto visaria prosseguir", a situação de tolhimento da Administração quanto ao projectado início ou prosseguimento da execução do acto, bem assim quanto à sua exposição, em caso de execução indevida, a declaração judicial de ineficácia, tanto assim, de resto, até que seja proferida decisão de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia; depois, para acentuar, no estreito capítulo das atinentes novidades, a introduzida pelo art.º 128.º n.º 4, ao permitir que o juiz decrete, agora, para além da suspensão da eficácia do acto, a requerimento do interessado e até ao trânsito em julgado, a ineficácia dos actos que, porventura, tenham sido praticados contra o conteúdo da própria decisão suspensiva, por isso mesmo qualificados de " execução indevida ".
Por seu turno, no que concerne à matéria das Providências Cautelares, importa percebermos a diferença estrutural e funcional entre esta intimação, que é providência cautelar, e as também denominadas " intimação para a prestação de informação, consulta de processos ou passagem de certidões " (arts 104º a 108º) e a "intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias" (109º a 111º): ainda que também caracterizadas pela urgência, estes são, contudo, "processos autónomos (...) que se baseiam numa cognição sumária mas suficiente (...), permitindo decisões definitivas, visando-se a defesa de um determinado direito ou interesse, que põe fim à lide, formando caso julgado material ".        
Com a Reforma, existiu a adição de duas novas providências cautelares tipificadas (132º e 133º), com fundamento na especificidade das correspondentes relações jurídico-administrativas: as relativas à apreciação dos vícios dos actos administrativos atinentes à formação de contratos e à " regulação provisória do pagamento de quantias ".
Quanto, concretamente, à respectiva tramitação, pensa-se que se remete, no aparentemente pouco cuidado n.º 3 do preceito em foco, para o processado comum dos art.ºs 114.º e ss, com as ressalvas logo adiante enunciadas, cumprido ainda destacar, a respeito do singular critério de decisão consagrado no nº 6, que se justificará a introduzida flexibilização dos pressupostos comuns das providências cautelares (120º nº 1 a 3).
No artº 133º, por seu turno, passando a distinta tipificação, pretendeu o legislador introduzir no universo cautelar uma medida de aplicação genérica, sujeitando a Administração, por exemplo em litígios relativos às prestações pecuniárias de carácter social, à imposição do pagamento provisório de uma quantia em dinheiro, facultando-se, assim, ao administrado que requeira, em casos que possam envolver, por grave carência de meios, consequências muito danosas para a sua pessoa ou dos seus familiares, a regulação transitória da situação, em vista da definição de uma quantia mínima absolutamente necessária ao enfrentamento da realidade vivida, até que sobrevenha decisão final, no processo dominante.
Espaço aberto, de novo, para a obtenção de antecipação de (pelo menos) parte do objecto do pedido formulado naquele processo, assim se configurando um outro afloramento do regime geral de aquisição antecipada de pretensões, nos termos do artº 121º.  
O Tribunal tem, ao abrigo do art  120º, nº3 um poder de adequação material.
Fez-se como nos é dito por Mário Aroso de Almeida e Carlos A.F. Cadilha, um desvio ao princípio do dispositivo, da faculdade de modelar os contornos da providência concretamente requerida, ou mesmo de a configurar diversamente, desde que a desejada tutela se revele mais eficazmente assegurada através desse meio. Não estando o tribunal já vinculado, nos termos do nº 3 do artº 392º do C.P.C., à providência concretamente requerida, podendo, por isso, adoptar outra que se compreenda no seu conteúdo original, sustenta-se ter-se pretendido ir mais longe, no C.P.T.A., conferindo-se ao juiz mais latos "poderes de conformação", ainda, sobretudo para garantir o aproveitamento da petição na hipótese de demonstração de produção inaceitável de danos, com a requerida concessão, e, assim, face à perspectiva da sua absoluta recusa, à luz do disposto no artº 120º, nº 2.
Tem havido neste âmbito alguma discussão ,pois, dado que, pese embora se represente a inexistência de vinculação estrita do tribunal administrativo ao princípio do pedido, havendo também que atender ao princípio do inquisitório e viabilizando a realização de uma qualificação jurídica diversa da revelada no requerimento do administrado, duvida-se se poderá ser decretada outra qualquer providência que seja mais lesiva do interesse público, nada se opondo, no entanto, em caso de menor "lesividade".
Temos um princípio de Livre cumulação de pretensões cautelares (112º, nº 1 e 120º, nº 3), sendo este um corolário do princípio da livre cumulação de pedidos, estabelecido nos arts 4º, 5º e 21º do CPTA.
O requerimento da providência Cautelar tanto pode ser deduzido antes, depois, ou ainda ao mesmo tempo da propositura do processo principal, introduzindo-se com a Reforma, a possibilidade de desencadeamento do processo cautelar na pendência do processo dominante, até que ocorra caducidade, com o respectivo trânsito em julgado (123º, nº 1, f). Há, deste modo, uma viabilidade de dedução, também, na pendência do processo principal (114º, nº 1, alínea f).
É de assinalar, em face da classificação presente no artº 381º, nº 1 do C.P.C., que, enquanto na alínea b) do nº 1 do artº 120º do C.P.T.A. que contempla, explicitamente, as providências asseguradoras ou de tipo conservatório (aquelas que visam manter inalterada até à decisão final a situação de facto existente, quando colocado o requerente, por exemplo, em resultado de acto administrativo, perante uma ameaça de perda de um bem ou uma determinação no sentido da abstenção do uso de certa coisa) é exigido um " fumus " leve ("não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular"), na alínea c) do mesmo nº 1, reportada, por seu turno, às providências de natureza antecipatória (as que visam alcançar interinamente o direito alegado no processo principal, produzindo os expectáveis efeitos resultantes da decisão definitiva, se se intima o requerido a adoptar certo comportamento, como a atribuição provisória de um subsídio ou a admissão de uma pessoa, provisoriamente, a um concurso) se requer, já, um " fumus " mais intenso ("seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente ").
Enquanto no primeiro caso se decidirá, a final, previsivelmente, em termos que comportarão o efeito provisório pretendido, absorvendo-o, mantendo-se uma situação de facto identificada, no das providências antecipatórias, ao contrário, o que se prefigura é uma alteração do status quo, originando uma composição provisória da lide, ex-novo, sendo que, nesta eventualidade, deve haver maior grau de exigência probatória.
Por vezes, assiste-se a uma sobreposição entre as funções conservatória e antecipatória sendo que, não é pela simples circunstância de uma determinada providência cautelar antecipar certos efeitos da decisão definitiva que, sem mais, se deva concluir que  nos encontramos perante uma providência antecipatória.
Critério, enfim, que, como toda a regra, comporta as excepções plasmadas na alínea a do citado n.º 1 e no n.º 6 do referido art.º 120º, para as situações limite em que, respectivamente, se afigure totalmente líquido ( " designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente") que a pretensão deduzida no processo principal procederá ou que nela esteja apenas em causa o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatória", não se justificando, pois, em qualquer dos casos, mais indagações. 
Há, no campo das Providências Cautelares no Contencioso Administrativo, uma recepção das regras gerais estabelecidas no direito comum sobre a repartição do ónus da prova (art 114º nº3, alíneas g e h, 118º nº 1 e 2 e 120º nº 5). A " falta de oposição " aludida no artº 118º, nº 1 do C.P.T.A. implicará a presunção da veracidade dos factos invocados pelo requerente e que, deduzida, embora, contestação, o eventual incumprimento daquele ónus impugnatório, quanto a alguma parcela factual relevante vasada no requerimento, traduzirá, na óptica de Mário Aroso de Almeida, a imediata aquisição de tal materialidade, nos termos gerais dos arts 490º nº 1 e 490º n.º 2 do C.P.C., sendo que,  a falta de contestação por parte da autoridade requerida ou a não alegação de que a adopção das providências requeridas causa grave lesão ao interesse público tem ainda um efeito cominatório complementar, que se traduz no reconhecimento, por parte do juiz, para efeito da decisão a adoptar, da inexistência de tal lesão, salvo quando ela seja manifesta ou ostensiva ( art.º 120.º n.º 5 ).
Sucede, pois, quanto à solução legal propugnada a respeito do incumprimento do ónus impugnatório, em sede cautelar, que resulta, no caso, por previsão expressa do legislador, o afastamento da aplicação subsidiária do processo civil, no que concerne(ria) à ponderação conjugada dos arts 384º nº 3 e 303º nº 3 do C.P.C. e 83º nº 4 do C.P.T.A.    
No contencioso administrativo das Providências Cautelares há a adopção do princípio " pro actione " (7º, 12º nº 3, 114º nº 4 e 5 e 116º nº 3 e 4), sendo que, à semelhança do instituído no C.P.C., no contencioso administrativo também se verifica a imposição de uma interpretação das normas adjectivas no sentido mais favorável à continuidade do procedimento, visando o aproveitamento possível dos actos viciados e a sanação desses defeitos.
A Administração tem, de acordo com os arts 87º, nº 1, 88º, nº 1, 89º, nº 1, 90º, nº 1 e 92º do C.P.A., o dever de suprir ou mandar suprir os vícios formais susceptíveis de sanação, regularizando a instância.
Parece de aceitar, na fase da apreciação liminar do requerimento, preferindo o princípio da tutela judicial efectiva à denominada " psicose de urgência " deste contencioso, o suprimento da falta de pressupostos processuais ou mesmo a apresentação de articulado superveniente que incida sobre a invocação de excepções dilatórias prontamente reparáveis; mas já se duvidando que, fora da previsão do n.º 2 do art.º 117.º, idêntica abertura se deva operar relativamente à intervenção de terceiros interessados.    
Pode haver a Convolação do processo cautelar em processo principal (art 121º). Assiste-se, no nº 1 do art 121º, à consagração da possibilidade de o tribunal antecipar, definitivamente, no processo cautelar, a decisão sobre o mérito da causa, convolando a tutela cautelar em tutela final urgente, nas situações limite em que, por manifesta urgência na resolução definitiva do caso, mormente por alteração das circunstâncias de facto, se não compadeça, aquele, com o mero decretamento provisório da providência requerida, desde que o tribunal se considere, razoavelmente, com base apenas num exercício sumário mas suficientemente límpido de apreciação das circunstâncias de facto definidas e da pertinente aplicação do mérito, ouvidas as partes, em condições de estabelecer o quadro final essencial de aplicação do direito peticionado na acção dominante. Se puder figurar-se, nesse processo, através de outras provas, a alteração da base factual, ainda que sensível então, deverá ser observado o critério do artº 120º, sem prejuízo do recurso excepcional ao mecanismo do nº 1, alínea a) do aludido preceito.
Regista-se, também, por outro lado, a introdução da possibilidade, de um célere regime de decretamento provisório da providência (48 horas), de aplicação não tipificada mas subordinado, sempre, para além da tutela de direitos fundamentais, também a "situações de especial urgência", no fito de se evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar.
Parte-se, aqui, com efeito, da representação da mora do próprio processo cautelar, por vezes tramitado durante várias semanas ou mesmo mais de um semestre, o que pode reclamar, verificada a particular circunstância de " especial urgência "conceito relativamente vago mas que, seguramente, se não há-de confundir com o comum requisito " periculum in mora " figurado no art.º 120.º n.º 1, alíneas b e c, porque necessariamente mais exigente, tal é, designadamente, a notada referência à acuidade da protecção de direitos fundamentais, a produção de uma primeira decisão provisória, tanto bastará, sobre o mérito.
Provisória, como tem de ser (art 124º), mas praticamente imediata, sob pena de se esgotar o interesse da própria pretensão principal, como sucederia, por hipótese, no caso de recusa de renovação do passaporte de cidadão nacional que justifique ter absoluta necessidade, por razões profissionais, de se deslocar para o exterior do país, ou de não deferimento de um pedido de asilo, sujeitos que, nem por isso, em tais termos, passariam a contar com uma decisão antecipada definitiva sobre o fundo da causa, mas que veriam garantido, enquanto não encerrado, pelo menos, o curso normal do processo cautelar, o direito alegado no processo principal. Por isso se alude, ao tratar-se deste mecanismo de urgência, a uma espécie de processo cautelar primário inserido no típico processo cautelar (" cautelar do cautelar ").
                                                                          

Janine Lopes Saraiva, nº17325

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A condenação à prática do acto legalmente devido: a questão dos actos tácitos.

1.      Naissance

Sob pena de cair em exaustividade, e em consequente aborrecimento, aludiremos da forma mais breve e sucinta possível ao histórico nascimento da figura entre nós.

Durante largos anos vivemos ao lado de um contencioso débil e altamente limitado pelo seu casamento infeliz com a concepção francesa de uma Administração “toda-poderosa”. A primeira regra de boa convivência neste casamento era o respeito pela rígida interpretação francesa do princípio da separação de poderes, que originava, como produto final, um contencioso subserviente, de mera anulação.

Por arrasto ao aparecimento do Estado social e pós-social, surgem direitos subjectivos dos particulares a prestações por parte das autoridades públicas, originando posições jurídicas de conteúdo pretensivo que não poderiam ser tuteladas por recurso a um mero contencioso de revisão.

Veja-se que à luz do coxo contencioso de tipo francês, tendo um particular direito a uma qualquer prestação do Estado, e não tendo este prestado, não tendo este praticado qualquer tipo de acto nesse sentido (ou no sentido inverso, que seja), como poderia o particular reclamá-lo se o recurso de anulação pressupunha a existência de um acto a anular, que como vimos não existiu?

Tinhamos um problema.

Como em todos os casamentos, para que se ultrapassem problemas, é sempre necessário, mais do que cedências, um bocadinho de imaginação. E é então que surge uma das maiores invenções da história do Direito, o acto tácito de indeferimento.

O acto tácito de indeferimento tratava-se no fundo de uma ficção de um acto que, a existir, legitimaria o particular ao recurso ao contencioso de anulação, e que portanto se finge que existe para que o particular assim possa ver a sua posição pretensiva, de alguma forma, tutelada.

O que se fazia, no fundo, era ficcionar que o silêncio da Administração tinha o significado de negação, e portanto que dele resultava um acto de indeferimento impugnável (que não existia no mundo das pessoas e dos actos, mas que existia numa qualquer realidade paralela e que descia a este mundo real, leia-se das pessoas e dos actos, em espírito) e que portanto, já poderia ser impugnado e, consequentemente, anulado, ou não. Mas de forma algo torpe, conseguia-se no resultado, condenar a administração na prática de actos devidos.

Esta situação deixou ainda mais a nú as limitações de um contencioso administrativo de matriz essencialmente objectivista, que para corrigir uma omissão das autoridades públicas tinha de dar asas à imaginação e cerrar bem os olhos de forma a conseguir ver um contorno de um acto lesivo. O surrealismo devia ter-se mantido à distância do Direito, pensamos.

Surge então, no ano de 1985, a LEPTA, e consigo, a jeito de salvação, um novo meio processual: a acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos (artg. 69º).
Agora, um particular que se visse na encruzilhada de uma omissão ilegal por parte da Administração, dispunha  de dois meios processuais: a via tradicional do recurso de anulação do indeferimento tácito, e o recurso à jovial acção para o reconhecimneto de direitos e interesses legalmente protegidos.

Fora as boas intenções de uma evolução no sentido de uma maior subjectivação, mesmo depois da LEPTA, os vícios mantinham-se, continuava a haver uma predominância do recurso contencioso de anulação, o juíz continuava a deter poderes meramente cassatórios, e o Contencioso continuava  a cultivar a sua forte matriz francesa.

A revisão constitucional de 1997 vem tornar o panorama ainda mais contraditório, ao introduzir o artigo 268º/4 da CRP que expressamente prevê na tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares a possibilidade de “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”, sob os contornos de um direito fundamental de natureza análoga e, por conseguinte, directamente aplicável, 18º/1 CRP.
Duas correntes de pensamento se erguem, de um lado estão aqueles que encaram o preceito constitucional como a consagração de um novo meio processual, de outro aqueles que vêem nele apenas a  garantia protecção constitucional acrescida de um direito a ser conseguido pelos meios processuais já existentes.
No entanto este debate entusiático não foi nem um pouco acolhido pelo tribunais que continuariam a mover-se no cheiro a mofo do antigo contencioso, por conservadorismo ou mero comodismo, quiçá.
Tudo se esbate com a entrada em vigor do CPTA, e com a consagração, no seu artigo 66º, da acção de condenação à prática de acto devido, como verdadeira modalidade acção administrativa especial.



2.      Âmbito do trabalho


Em termos breves, o CPTA regula a acção de condenação à prática de acto devido nos seus artigos 66º a 71º CPTA.
Através do recurso à mesma, o particular consegue um de dois efeitos úteis,  a condenação da administração na prática de um acto ilegalmente omitido, ou a condenação da mesma na prática de um acto ilegalmente recusado.
Como pressupostos, o artigo 67º apresenta-nos essencialmente  três:
- existência de um dever de agir que recaia sobre a administração decorrente da existência concreta de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão de um acto administrativo;
- que tenha passado o prazo legal instituído para a pronúncia da Administração;
- verificação de uma atitude ilegal da Administração Pública, que se pode concretizar numa omissão pura, na recusa expressa da prática do acto que se apresenta como legalmente devido, recusa de apreciação do requerimento.

No âmbito do presente estudo, pretendemos desbravar caminho para a definição do conceito de omissão administrativa, procurando aferir se dentro dela podemos incluir os actos administrativos tácitos, quer negativos quer positivos, já que esta se apresenta como pressuposto essencial para o recurso à acção para a prática de acto devido.



3.      Caracterização da omissão administrativa: a questão dos actos tácitos


A lei apenas aponta como omissão administrativa os casos em que “não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido”, artigo 67º/1  al. a) CPTA,  e em casos de inércia, artigo 69º/1 CPTA.
Caberão nestas duas expressões as figuras do indeferimento tácito e do deferimento tácito?



3.1.  O indeferimento tácito


Como já referimos supra, o indeferimento tácito não passou de um bem engendrado esquema para poder tutelar a posição dos particulares frente a um contencioso de mera anulação.
 Com a mudança de paradigma no actual ordenamento, a construção legal cai na inutilidade, passando o “incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir por parte da administração a ser tratado como uma omissão pura e simples que efectivamente é, ou seja, como mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisao judicial de condenação á prática do acto ilegalmente omitido” (in Mário Aroso de Almeida, o novo regime… página 167).

Tudo parece pacífico, estranhamente pacífico. E tudo seria pacífico, um vez que a doutrina é unânime quanto à revogação do regime do indeferimento tácito,  não fosse o surgimento de um recente e controverso acórdão que nos lança de novo para um terreno largo de contradições.

Deixamos aqui o link:

Recentemente este Acórdão, em conferência na Secção de Contencioso Administrativo, datado de 24 de Novembro do ano da graça de 2004, veio ressuscitar o acto de indeferimento tácito nos seguintes termos:
“nada impede que, ao lado do regime geral, a lei consagre, para casos pontuais, regimes especiais (…) de formação de indeferimento no procedimento gracioso (maxime em recurso administrativo de decisão de primeiro grau), desde que semelhante desvio das regras comuns se mostre necessário à eficácia e prontidão das decisões a proferir na matéria, fique garantida a segurança jurídica, a efectividade da tutela e sejam dirigidos à obtenção de valores superiores aos sacrificados”.

Como bem refere André Rosa Lã Pais Proença, na sua tese “ As duas faces da condenação á prática de acto devido”, abrir as portas a regimes especiais de indeferimento tácito é trazer mais uma fonte de incerteza para o particular, já que se o direito de acção previsto no artigo 69º CPTA caduca no prazo de um ano, já quando tenha existido indeferimento, o prazo comprime-se para apenas três meses.
Remata-se o exposto com uma citação do autor que nos parece assentar aqui “que nem uma luva”, o referido acaba por conduzir à invevitável conclusão de que “ no contencioso  administrativo português, nem tudo o que parece , é, e que nada pode ser dado por adquirido…”.



3.2.  O deferimento tácito


Se a doutrina é consoladoramente unanime no que toca à revogação do regime dos actos tácitos pela entrada em vigôr do CPTA, coisa diferente se passa no tocante aos actos tácitos positivos, previstos genéricamente no artigo 108º CPTA e especialmente em vários diplomas avulsos, como o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

De Acordo com uma interpretração literal do artigo 67º/1 al. a) parte final, parece que aqui se abraçam todos os tipos de actos tácitos, sem qualquer tipo de distinção entre actos positivos ou negativos, ou seja, parece que “o silêncio administrativo teria deixado de ser valorado negativa ou positivamente, para passar, de forma uniforme, a ser tratado como uma pura e simples omissão do dever legal de decididir” (André Rosa Lã Pais Proença, in “As duas faces (…)).

Larga doutria se formou no sentido oposto do explicitado, defendedo a operatividade da figura e portanto a não revogação do seu regime pelo CPTA.

Como exemplo temos a posição do Prof. Mário Aroso de Almeida, que ao qualificar  o deferimento tácito como presunção legal de prenúncia da administração num sentido favorável acaba por neutralizar a necessidade de recurso a uma ação judicial, já que o acto passa a produzir os seus efeitos por força legal, e consequentemente passa a ter existência jurídica.

A posição do professor, que perfilha a posição de revogação do acto tácito negativo mas defende a plena funcionalidade da figura do acto tácito positivo no contencioso actual, parte da diferente natureza atribuída ás duas figuras. Enquanto a primeira assume uma natureza e mero alcance processual, nas linhas que definimos supra, a segunda assume efeitos substantivos, os de considerar diferida a pretensão de um particular, obtendo o efeito útil da acção de condenação, sem necessidade de recurso judicial para tanto.

Será no entanto de ponderar a evolução do conceito de relação jurídica administrativa no sentido da multilateralização da mesma. Queremos com isto dizer, que hoje em dia não podemos encará-la como meramente bilateral, já que por um dado acto administrativo serão afectados uma pluralidade de indivíduos, daí a importância fulcral que hoje em dia, mais que em todos os tempos, assume o procedimento administrativo, salvaguardando a possibilidade de tutela dos interesses de todos aqueles que possam vir a ser afectados pela decisão administrativa. Daí que se tenha de encarar a operatividade do deferimento tácito com cautela. Como muito bem evidencia Carlos Cadilha, o acto tácito positivo, mais que uma presunção de conformidade legal da pretenção do particular, representa uma forma de colmatar a demora da pronúncia da Administração, atribuindo efeitos substantivos a favor de uma das partes sem consideração pelas restantes.
Assim, ao lado de Carlos Cadilha,outras vozes se erguem no sentido de fazer alinhar o acto tácito positivo no conceito de omissão administrativa, é o caso de Rita Calçada Pires e Colaço Antunes.

Para Rita Calçada Pires admitir que a Administração continue a “agir” por via do acto tácito de deferimento consubstancia uma petição de princípio, no sentido em que se estaria a negar a força pedagógica que à condenação à prática de acto devido se quer atribuir, que se trata no fundo de “domesticar” a Administração, fazendo-a mudar de atitude, e isto porque intrinsecamente considerado o silêncio administrativo é sinónimo de mau funcionamento da mesma.

Assim, a autora na esteira de Carlos Cadilha, pronuncia-se pela revogação dos artigos 108º e 109º do CPA e em recta final, leva a acção para a determinação para a prática de acto devido ao pódio, como “único e eficaz meio processual de tutela jurisdicional das omissões administrativas”.



4.      A título de conclusão


Em termos conclusivos, parece-nos que, como vem sendo hábito, a questão permanece em aberto. Pois se por um lado o regime do indeferimento tácito, dada a sua natureza meramente processual, parece totalmente eclipsado pela entrada em vigôr do CPTA, são abertas não portas, mas talvez janelas, para o deixar de novo entrar no regime do contencioso administrativo alegando a celeridade processual que proporciona em detrimento da segurança juridíca que inevitavelmente gera.

Se por um lado vozes se erguem , com argumentos coerentes, num e noutro sentido quanto à manutenção da figura do acto tácito positivo, o elemento literal do artg. 67º/1 al. a) não parece ser de ignorar, e ou muito nos falha o português ou nele se inclui todo o tipo de actos tácitos, já que ambos perconizam um não proferimento de uma decisão dentro de um prazo legalmente estabelecido, e portanto, quanto a nós, consubstanciam omissões administrativas a ser contestadas através do recurso à acção de condenação à prática de acto devido.


Rita Lima de Sousa
Nº 17787

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Do recurso hierárquico necessário – Parte II: Exposição da controvérsia e conclusões finais

1. Da inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário


Muito critico no que diz respeito à manutenção da figura e defendendo a sua inconstitucionalidade, VASCO PEREIRA DA SILVA afirma que da conjugação dos arts. 268º/4 CRP e 51º/1 CPTA retira-se a possibilidade de controlo judicial imediato dos actos dos subalternos desde que lesivos para os particulares, o que se traduz na inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário enquanto forma de condicionamento à tutela judicial imediata, manifestações dos tais “traumas de infância” do Contencioso Administrativo que o Professor faz questão de relembrar sempre no sentido de os exterminar do ordenamento jurídico. Para apoiar a sua tese, utiliza como argumentos, entre outros, a existência de uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso como conformado pelo art. 268º/4 CRP enquanto expressão do princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares, numa violação do princípio da separação de poderes por fazer precludir o direito de acesso aos tribunais em resultado da não utilização de uma garantia administrativa, uma negação do princípio da desconcentração administrativa presente no art. 267º/2 CRP. [1]


2. Em defesa do recurso hierárquico necessário

Entre os vários argumentos que têm sido invocados na defesa do recurso hierárquico necessário, destacam-se os seguintes:

Manifestação de uma procura pelo legislador de meios alternativos de resolução de litígios, opção legítima atendendo ao princípio da economia processual, numa dupla função de evitar a pendência de recursos hierárquicos desnecessários e de racionalização do funcionamento dos tribunais administrativos, argumento que se poderá apoiar constitucionalmente no art. 266º/2 CRP enquanto expressão dos princípios da repartição eficiente dos poderes públicos e da legalidade administrativa.


Interpretação do art. 267º/2 CRP e do princípio da unidade da acção administrativa, possibilitando uma uniformização da actividade administrativa pela própria Administração, permitindo que seja a própria a dar solução aos problemas que se verificarem no seio da sua organização, levando assim à auto-viculação da AP.


Da análise da posição de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA retiram-se as seguintes premissas: o CPTA deixa de fazer referência ao requisito definitividade, como acima se fez alusão, e não exige em termos gerais a necessidade do recurso hierárquico tendo havido de facto uma inversão da regra; paralelamente não terá o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que determinam a necessidade do recurso hierárquico que só deixariam de vigorar no ordenamento perante disposição expressa no sentido da sua revogação; assim a regra será a da impugnação contenciosa imediata de actos com eficácia externa, sem necessidade de recurso administrativo prévio, salvo nos casos de previsão expressa da lei no sentido da manutenção da necessidade do recurso hierárquico enquanto opção legislativa consciente, deliberada e justificada e, concluindo no sentido da não inconstitucionalidade da imposição de recursos hierárquicos necessários.

Contra este último argumento invoca-se que, apesar da ausência de determinação legal expressa no sentido da revogação, tal solução retira-se do espírito do novo CPTA.
Não nos parecendo um argumento decisivo a não revogação expressa pela lei dadas as conhecidas e infelizes falhas na técnica legislativa e coerência do sistema, já nos parece mais forte a observância da permanência da utilização do regime do recurso hierárquico necessário, no sentido de uma deliberada opção pela permanência do regime, embora tal argumento possa padecer das mesmas incongruências apontadas acima. Ressalvando a ideia de que o olhar para a lei deveria ser no sentido de confiar que o legislador concluiu o seu labor na medida da perfeição, não nos apraz o espírito deixar de olhar esse trabalho com um olhar crítico e interrogador.


VEIRA DE ANDRADE corrobora a tese de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e defende a manutenção do regime do recurso hierárquico necessário somente nos casos de determinação legal expressa nesse sentido, posição que nos parece lógica e com a qual concordamos [2]

Razões de celeridade: a impugnação contenciosa demorará, em média, menos tempo que uma impugnação pela via judicial, ainda para mais com o apoio de mecanismos como os do art. 169º/2 CPA [3]: se formos a crer na notícia que saiu dia 21 deste mês num jornal de distribuição gratuita com o título “lentidão caracteriza cada vez mais a Justiça” em que se dizia que “por cada 100 processos que chegam ao fim nos tribunais portugueses, 184 ficam pendentes”, não nos é difícil de afigurar que, nos moldes como hoje funcionam os tribunais judiciais, a opção pela resolução extrajudicial de litígios não será a mais penosa temporalmente para o particular e que tem sido uma via particularmente privilegiada em reformas processuais.

Regime do art. 167º/2 CPA: funciona no ordenamento jurídico português a regra do carácter misto do recurso hierárquico, [4] traduzindo-se a exigência de recurso hierárquico necessário na possibilidade da Administração Pública de revogar actos ilegais e mesmo, mais amplamente do que sucede no recurso contencioso, que é de mera legalidade, a oportunidade de revogar actos inconvenientes, o que beneficiará aos administrados; afirma FREITAS DO AMARAL que um recurso com base em questões de mérito assentará na “conformidade com todo um conjunto de valores não consubstanciados em normas jurídicas, mas sem cujo respeito ou observância o acto administrativo não pode considerar-se imaculado à luz dos interesses públicos confiados à Administração Pública”. [5] [6]
O mérito traduz-se assim na “adequação do acto aos fins que deve prosseguir, dentro dos princípios que lhe cabe respeitar”, [7] numa ponderação entre o interesse público e uma actuação menos gravosa para os interesses privados, (nas palavras do Professor Marcelo Caetano, “o acto pode na verdade ser legal, correspondendo ao exercício de um poder discricionário, e, todavia, por deficiência de informação ou erro de apreciação de quem o praticou, conter injusto e necessário agravo a legítimos interesses particulares [8]), expressão do princípio da proporcionalidade a que a Administração está igualmente vinculado – art. 266º/2 CRP- devendo dar-se a possibilidade à Administração, através das entidades no topo da hierarquia administrativa, de realizar esse juízo de adequação e reformular decisões de órgãos inferiores que não respeitem da melhor forma o principio da proporcionalidade. É daqui que se parece retirar a relevância prática da exigência de recurso hierárquico necessário: da decisão que saia de um recurso hierárquico necessário pode sair uma decisão que cumpra a objectivo da Administração na prossecução do interesse público a par duma decisão que tenha em atenção a protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 266º/1 CRP).


3. A jurisprudência do Tribunal Constitucional: Acórdão do TC nº 499/96

No acórdão em causa questionou-se a constitucionalidade de uma norma que impunha a interposição de recurso hierárquico necessário de actos que versassem sobre determinadas matérias legalmente especificadas, ainda que tais actos tivessem sido praticados ao abrigo de delegação de poderes (sendo para todos os efeitos actos definitivos nesses termos) mas que, na medida em que encontrava prevista a exigência de recurso hierárquico necessário, não seriam definitivos e consequentemente insusceptíveis de impugnação contenciosa nos termos do então vigente art. 25º/1 LPTA (diz o acórdão assim: “resolução por delegação (de poderes), que, em princípio, teria as necessárias características de definitividade e executoriedade, não é acto definitivo e executório, pois dele há recurso hierárquico necessário” na medida em “actos administrativos sujeitos a recurso hierárquico necessário não traduzem a definição última da relação jurídico‑administrativa concreta, não sendo, portanto, definitivos e executórios”, o que, na prática resultaria na existência de actos administrativos praticados por delegação de poderes directamente recorríveis e actos praticados por delegação de poderes que dependeriam de interposição de recurso hierárquico), o que atentaria contra o direito fundamental de acesso aos tribunais em geral plasmado no art. 20º/1 CRP e, em especial contra o direito de acesso aos tribunais administrativos nos termos do art. 268º/4 CRP.

O TC decidiu no sentido da não inconstitucionalidade da norma que previa a necessidade de recurso hierárquico utilizando como principal argumento o facto de a exigência deste “não obsta a que o particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso”, não sendo violado o direito de acesso aos tribunais tal como conformado pelo art. 268º/4 CRP: não seria directamente recorrível pela via contenciosa, mas ainda assim não haveria verdadeira negação desse direito fundamental. Continuaria assim a existir “tutela jurisdicional efectiva” como exige o art. 268º/4 CRP ainda que não imediata no tempo.


4. Conclusões

Do respeito pelos arts. 18º/2, 266º/2 e 268º/4 todos da CRP, poder-se-à retirar um critério de utilização do regime do recurso hierárquico necessário, com respeito pelo princípio da proporcionalidade a que a Administração está vinculada, com consequente respeito pelos requisitos de adequação, necessidade e razoabilidade e justo equilíbrio aquando do recurso à figura, retirando-se desta o máximo dos proveitos elencados acima que dela podem resultar.

Carecendo a questão de esclarecimentos por parte da lei que apontem numa direcção ou noutra, em nome da certeza jurídica, e que encerrem, pelo menos em termos positivados, controvérsias e opções jurídicas num ou noutro sentido, parece-nos coerente com o espírito do sistema visto como um todo, nunca descurando o que foi um sentido de progressivo alargamento da possibilidade de impugnação directa e imediata perante os tribunais dos actos administrativos com o consequente aprofundamento das garantias dos administrados, a defesa da bondade da figura do recurso hierárquico necessário e duma interpretação conforme à Constituição do mesmo.

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[1] Não fazendo sentido continuar num exercício de transcrição das diversas posições quando o que se pretende é um exercício de reflexão, para uma completa exposição dos moldes como se tem desenvolvido esta discussão, VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise :  ensaio sobre as acções no novo processo administrativo,   2ª ed.,  Coimbra,  Almedina, 2009, pags. 347 e seguintes.


[2] VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa: lições 10ª ed. –  Coimbra,  Almedina,  2009, pag. 229.

[3] o recurso hierárquico necessário, salvo em situações de delegação ou subdelegação, operará como um recurso per saltum, por razões de desburocratização e celeridade.

[4] para mais desenvolvimentos DIOGO FREITAS DO AMARAL, Conceito e natureza do recurso hierárquico,  Coimbra,  Atlântida,  1981.

[5] idem

[6] para mais sobre a vinculação da Administração ao interesse publico cf. arts. 266º/1 CRP, 269º/1 CRP, art. 4º CPA, entre outros.

[7] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Conceito e natureza do recurso hierárquico,  Coimbra,  Atlântida,  1981.

[8] MARCELO CAETANO, Manual de direito administrativo,  Vol. 2: Agentes e bens, serviços públicos, polícia, garantias, processo administrativo, 1890.


Andreia Almeida
nº 17179

Do recurso hierárquico necessário – Parte I: Contextualização e questões prévias


1. Introdução

Escolhemos o tema do recurso hierárquico necessário fundamentalmente por duas razões: dada a controvérsia da questão, especialmente na susceptibilidade de qualificar a figura do recurso hierárquico necessário enquanto pressuposto processual de acesso aos tribunais administrativos, atendendo ao disposto no art. 167º/1 CPA e através da sua escolha de critério distintivo entre as duas espécies de recursos hierárquicos; fundar uma posição acerca da dúvida sobre a (in)constitucionalidade do recurso hierárquico necessário.


2. Contexto histórico e evolução legislativa

A exigência feita pelo art. 25º/1 LPTA aos requisitos de definitividade e executoriedade [1] visava delimitar o universo dos actos administrativos recorríveis contenciosamente. Esta regra tinha apoio constitucional no art. 269º/2 CRP na sua versão originária. [2]

Não cabe apreciar o conceito de acto executório para efeitos da presente exposição, concentrando-nos na ideia de definitividade, com particular relevância para a definitividade vertical. [3]

Seriam verticalmente definitivos os actos praticados por órgãos sem superiores hierárquicos ou praticados por subalterno ao abrigo de delegação de poderes ou no exercício de uma competência exclusiva; relativamente aos actos definitivos dos subalternos, estes poderiam ser imediatamente impugnados contenciosamente, sendo igualmente admissível a impugnação graciosa por via do recurso hierárquico que, nestes moldes, tinha-se como facultativa.

Já quanto aos actos não definitivos dos subalternos, estes eram insusceptíveis de impugnação pela via contenciosa (exactamente por não serem dotados de definitividade) restando a reacção sob a forma de recurso hierárquico para o superior do autor do acto e, face ao insucesso na satisfação da pretensão verificado na instância administrativa, abria-se a possibilidade de impugnação jurisdicional da decisão definitiva do superior, o que, na prática, consubstanciava um recurso hierárquico necessário na medida em que, na falta de definitividade do acto do subalterno, a única forma de aceder à tutela jurisdicional passaria pela prévia utilização dos meios de impugnação graciosa sob as vestes de um recurso hierárquico (já que também será impugnação administrativa a impugnação por via da reclamação – arts.161º e ss CPA).

Na prática, o âmbito limitado dos actos definitivos dos subalternos, nas formas acima enunciadas, tornava como regra geral o recurso hierárquico necessário dos actos dos subalternos.
Com a revisão constitucional de 1989 surge a regra do art. 268º/4 CRP na qual “ é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e adopção de medidas cautelares adequadas.”, desaparecendo do quadro constitucional a menção ao carácter definitivo e executório do acto, passando a centrar-se na susceptibilidade de lesão dos direitos ou interesses do recorrente, o que parece traduzir uma evolução no sentido do alargamento da garantia de recurso contencioso originariamente consagrada pelo legislador constituinte.
Com a alteração constitucional suscitou-se a inconstitucionalidade superveniente do art. 25º LPTA na medida da sua imposição de definitividade dos actos dos subalternos, por se opor ao conceito de acto lesivo com consagração constitucional expressa enquanto manifestação do sentido evolutivo acima descrito, ignorando a susceptibilidade de lesão de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares por actos de subalternos, e consequentemente pondo-se em causa a regra do recurso hierárquico necessário, posição sufragada então por nomes como MARCELO REBELO DE SOUSA, GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, PAULO OTERO e VASCO PEREIRA DA SILVA.

Na outra ponta da discussão, defendendo a não inconstitucionalidade do art. 25º LPTA com o argumento principal de que não teria sido a intenção do legislador constituinte tratar acerca dos pressupostos processuais da impugnação de actos administrativos tínhamos R. EHRHARDT SOARES, DIOGO FREITAS DO AMARAL, SÉRVULO CORREIA e VIEIRA DE ANDRADE.

Sector minoritário na doutrina admitia a inconstitucionalidade do art. 25º LPTA com fundamento na violação do principio da reserva de lei, a par duma defesa da conformidade constitucional do recurso hierárquico necessário em situações especificas desde que respeitados os requisitos constitucionais de restrição do direito fundamental de impugnação de actos administrativos lesivos (respeitando assim o art. 268º/4 e 18º/2 da CRP). [4]


3. Breve nota acerca do acto administrativo e do acto administrativo impugnável nos dias de hoje

Conhecida é a não coincidência entre o conceito de acto administrativo e o conceito de acto administrativo impugnável: acto administrativo será sempre um acto decisório (expressão de vontade da Administração em determinar o rumo de acontecimentos ou o sentido de condutas a adoptar), tal retirando-se do art. 120º CPA, mas tanto poderá ter eficácia externa como funcionar no seio de relações intra-administrativas e inter-orgânicas, entendimento que parece ser o mais coerente atendendo à letra da lei do art. 120º CPA, que não alude à necessidade de eficácia externa ao contrário do que sucede com o art. 51º/1 CPTA, e com o espírito do sistema do CPA [5]

Assim, actos administrativos com eficácia interna são actos administrativos para efeitos do art. 120º CPA mas não para efeitos de acto administrativo impugnável do art. 51º/1 CPTA [6]

Relativamente à já abordada questão da definitividade vertical, esta será tida como “pressuposto processual de que, em certos casos, a lei faz depender a possibilidade de um acto administrativo que, do ponto de vista substantivo, é impugnável, ser objecto de impugnação imediata perante os tribunais administrativos”, “questão de natureza adjectiva e não substantiva” logo não será parte integrante do conceito de acto administrativo impugnável. [7]


4. Matriz do modelo actualmente em vigor

Presentemente, o CPTA não faz menção ao requisito de definitividade como anteriormente vinha plasmado no art.25º/1 LPTA e desaparece da lei o pressuposto impugnação administrativa necessária para admissão da impugnabilidade de actos administrativos presente no art. 34º LPTA. [8]

Da conjugação dos arts. 51º e 59º/4 e 5 CPTA (deste último retira-se que a impugnação administrativa, quer por via de reclamação quer por via de recurso que agora nos ocupa o estudo, suspende o prazo de impugnação judicial do acto, mas não impede o interessado de proceder a esta na pendência daquela [9]) decorre que a regra geral passou a ser a da impugnação administrativa facultativa, não sendo a utilização das vias de impugnação administrativa requisito necessário para aceder à impugnação contenciosa, ou seja, na prática, não será necessário esgotar as vias extrajudiciais para se recorrer à tutela jurisdicional; impugnação administrativa facultativa será a regra também porque decorre da regra do art.170º/1 CPA a suspensão da eficácia do acto nos casos de recurso hierárquico necessário (a não ser nos casos em que cause “grave prejuízo ao interesse público”), nunca se colocando um problema de suspensão do prazo de impugnação judicial pois este teria à partida a sua eficácia suspensa.        
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
5. Considerações acerca do recurso hierárquico necessário

Se partirmos da definição de recurso ensaiada por DIOGO FREITAS DO AMARAL recurso será um “meio de impugnação de um acto de autoridade perante outra autoridade para o efeito competente, a fim de obter desta a respectiva revogação ou substituição”, [10] recurso hierárquico será então um recurso administrativo mediante o qual se impugna o acto de um órgão subalterno perante o seu superior hierárquico a fim de obter deste a respectiva revogação ou substituição; [11] da conjugação das duas noções retiram-se as seguintes conclusões: recurso hierárquico será um meio de impugnação administrativa (a par da figura da reclamação – arts 161º e ss CPA) no qual se reconhece um certo grau de subordinação do recorrente perante o recorrido e uma expressão do exercício do poder se superintendência do superior hierárquico para o qual se recorre relativamente ao subalterno que praticou determinado acto do qual se recorre, com vista à eliminação da ordem jurídica, quer por via da revogação quer através da sua substituição (esta última possibilidade limitada pela competência exclusiva do órgão recorrido para a prática do acto nos termos do art. 174º/1 CPA), do quid impugnado, do resultado do exercício das competências do subalterno.

Fenómenos de desconcentração relativa (veja-se a figura da delegação de poderes, com respectivo regime jurídico presente no art. 35º e ss CPA) onde, ao contrário do que sucede nos casos de desconcentração absoluta, se mantém relações de hierarquia, implicam que se dê relevância à figura do recurso hierárquico de modo a cumprir os desígnios constitucionais da existência de fenómenos de desconcentração a par da respectiva necessidade de manutenção de “poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes” com expressão no nº2 do art. 267º CRP.

Mas se é verdade o que se acaba de dizer, dessas mesmas considerações não se pode retirar a legitimidade do carácter necessário do recurso hierárquico. Tentaremos procurar fundamentos alternativos para explicar a relevância prática da figura, não sem antes explicitar alguns dos argumentos doutrinais que apontam para a sua inconstitucionalidade.

Cabe fazer mais uma nota relativa ao recurso hierárquico no que toca à diferenciação de regimes que resulta das normas do CPA, na defesa da uniformização dos regimes dos recursos hierárquicos, ainda que só no que toca ao efeito suspensivo da eficácia do acto administrativo recorrido, no sentido de adopção do regime do recurso hierárquico necessário que segue no sentido da suspensão da eficácia do acto recorrido (art. 170º/1 CPA) o que na perspectiva do interesse do recorrente o beneficiará na medida em que, para obter, no âmbito de um recurso hierárquico facultativo, o efeito suspensivo, terá de requerer a suspensão administrativa da execução nos termos do art. 163º/ 2 e 3 CPA ou medidas cautelares para obter o efeito que é automático para os recursos hierárquicos necessários. [12]
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[1] Versava o artigo no seu nº1 o seguinte: “Só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios”.

[2] Na versão originária da CRP - Lei Constitucional 1/76, de 2 de Abril - o então nº 2 do artigo 269º estatuía: "É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios".

[3] Da definitividade horizontal não cumpre discutir na medida do abandono do seu pressuposto assente no princípio da impugnação unitária do acto final em favor da impugnação autónoma de actos (sobre isto ver MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos 4ª ed. rev. e actualizada. –  Lisboa, Almedina,  2005, e atender ao disposto no art. 51º/1 e 3 CPTA, acerca da impugnabilidade não preclusiva dos actos procedimentais e do tratamento igualitário em termos processuais da decisão final e das demais decisões que integrem o procedimento - decisões intra-procedimentais)

[4] Posição de ANDRÉ SALGADO DE MATOS exposta em MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito administrativo geral, Vol. 3: Actividade administrativa, Lisboa, 2007.

[5] A título de exemplo dessa concordância sistemática com a posição ora defendida veja-se a referência feita “às ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subordinados em matéria de serviço e com a forma legal”, nos termos do art. 124º/2 CPA.

[6] Nesse sentido MÁRIO AROSO DE ALMEIDA que aponta a definição do 51º/1 CPTA como comprovação da existência de actos administrativos com eficácia interna, não havendo portanto coincidência entre a noção do art. 120º CPA e o art. 51º/1 CPTA; também defendendo esta posição VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa: lições 10ª ed. –  Coimbra,  Almedina,  2009, pag. 211.

[7] em MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável.

[8] art. 34º LPTA: “(Precedência de impugnação administrativa): O recurso contencioso, quando precedido de impugnação administrativa necessária, depende da observância, quanto a esta, das disposições seguintes que sejam aplicáveis ao caso:
a) A petição pode ser apresentada perante o autor do acto impugnado ou perante a autoridade a quem seja dirigida, no prazo de um mês, se outro não for especialmente fixado;
b) O recurso hierárquico de acto praticado por órgão da administração central pode ser directamente interposto para o órgão competente para a decisão final.”

[9] defendendo a inexistência de vantagens reais para o particular da possível simultaneidade de impugnação administrativa e contenciosa, VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa: lições 10ª ed. –  Coimbra,  Almedina,  2009, pag. 228.

[10] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Conceito e natureza do recurso hierárquico,  Coimbra,  Atlântida,  1981.

[11] idem

[12] MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito administrativo geral, Vol. 3: Actividade administrativa, Lisboa, 2007.

Andreia Almeida
Nº17179