segunda-feira, 18 de abril de 2011

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo: 05227/09) sobre legitimidade processual activa; interesse directo e pessoal; pessoas colectivas públicas.

O Município da Covilhã e o Município do Fundão intentaram, no TAF de Castelo Branco, providência cautelar de suspensão de eficácia contra o Secretário de Estado Adjunto da Administração Local, o Secretário de Estado da Administração Pública e o Secretário de Estado do Turismo, pedindo que “o acto administrativo ínsito ao nº 1 do artigo 6º dos Estatutos da Entidade Regional de Turismo do Pólo de Desenvolvimento Turístico da Serra da Estrela seja suspenso até à prolação de decisão na Acção Administrativa Especial correspondente, nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA, ou, subsidiariamente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo. Por decisão de 17.04.2009, o Mmo. Juiz “a quo” julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e absolveu os requeridos da instância.
Inconformados, o Município da Covilhã e o Município do Fundão interpuseram recurso jurisdicional para este TCA–Sul (…)
O Mmo. Juiz “a quo”, (…) decretou a ilegitimidade activa dos requerentes e, para tanto, expendeu o seguinte:
“Com efeito, apesar da afirmação dos requerentes à tutela jurisdicional efectiva com expressa reivindicação da legitimidade, certo é que naquilo em que ancoram causa não recolhem legitimidade, numa suposta violação do “bloco de legalidade” a que o acto deveria estar adstrito, por violação do princípio da imparcialidade e, interesse que se percepciona na acção principal – num fenómeno que designam de “desfiguração territorial” (“a constituição de um ente administrativo sem real reflexo territorial em face dos Municípios que nele participam”).
Ora, sempre foi constante da jurisprudência do S.T.A. e da doutrina juspublicista, assim como é o que resulta da lei (art. 55º do CPTA e 268º da C.R.P.), posição adversa em admitir a possibilidade de se congeminar, ao nível técnico, um direito subjectivo à legalidade administrativa do qual derivasse a legitimidade de um qualquer cidadão poder impugnar jurisdicionalmente uma qualquer decisão das administrações públicas, sob a simples invocação de lesão do universal direito administrativo, de defesa da “legalidade objectiva” – cfr. Ac. STA de 17.01.95, Rec. 33183; Ac. STA Pleno de 15.01.97, Rec. 29150). Bem como se não reconhece na dita “desfiguração territorial”  (…) qualquer interesse pessoal, conquanto a concreta configuração que comporta desenvolve a função política do Governo, de prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade, que não é sua”.
É esta a
fundamentação essencial da decisão recorrida, que se nos afigura claramente insuficiente. Na verdade, no actual CPTA, o conceito de legitimidade deriva da titularidade da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor (posição próxima da de Barbosa Magalhães) – cfr. artigo 26º nº 3 CPC.
Assim, e como alegam os recorrentes, estes são titulares de um interesse directo e legítimo, que lhes confere legitimidade activa, ao abrigo do artigo 55º nº 1, al. a) do CPTA, e ainda que assim não fosse, a legitimidade activa dos recorrentes decorreria, igualmente, de modo inequívoco, do artigo 55º nº 1, al. c) do CPTA, que confere legitimidade às pessoas colectivas públicas e privadas quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender. Trata-se de interesses de facto, meramente processuais, que se traduzem na utilidade, benefício ou vantagem de natureza patrimonial ou meramente moral, que poderá advir da anulação do acto impugnado, devendo o pressuposto processual em causa ser interpretado de molde a promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formulado, de acordo com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
No caso concreto, o interesse dos recorrentes, enquanto Municípios, decorre da atribuição legal de “promoção do desenvolvimento” turístico na área  geográfica do Município (cfr. art. 13º nº 1 da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro), podendo tais entes públicas participar “na entidade da área regional do turismo em que se encontram integrados” (cfr. art. 7º nº 3 da Lei nº 67/2008, de 10 de Abril).
Como alegam os recorrentes, “dúvidas não existem de que quaisquer vicissitudes legais que afectem a composição do órgão deliberativo por excelência do Pólo de Desenvolvimento Turístico da Serra da Estrela poderão, rectius, deverão ser livremente sindicados pelos recorrentes ou por qualquer outro Município que possa integrar o referido Pólo e que consta do Anexo I da Lei nº 67/2008, de 10 de Abril.
Nesta óptica, sendo uma autarquia local afectada por um acto administrativo de terceiros que incide sobre as próprias atribuições do Município, como a promoção do desenvolvimento (art. 13º nº 1, al n) da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro), parece-nos claro que a legitimidade processual activa deriva, desde logo, do disposto no art. 55º nº 1, alínea a) do CPTA. Conclui-se, portanto, que os recorrentes possuem um interesse directo e pessoal, decorrente da suspensão/impugnação do acto administrativo no nº 1 do artigo 6º dos Estatutos da Entidade Regional de Turismo do Pólo de Desenvolvimento Turístico da Serra da Estrela. Ainda que assim não fosse, a legitimidade dos ora recorrentes derivaria do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 55º do CPTA, que confere legitimidade processual às pessoas colectivas públicas e privadas quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender, abrangendo as relações jurídicas administrativas em que a entidade impugnante é o Estado, um instituto público ou uma autarquia local, reagindo contra um acto administrativo praticado pelo órgão de outra pessoa colectiva ou por um órgão administrativo independente (cfr. Mário Aroso de Almeida, ob. cit., p. 335; Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa” (Lições, 4ª ed. p. 258).
É esta a melhor interpretação das normas processuais referidas, em molde a garantir a tutela jurisdicional efectiva através da promoção de decisões de mérito (cfr. por todos, o Ac. STA de 23.11.05, Proc. nº 0871/05).
 Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e em revogar o despacho recorrido (…)

Cumpre, a partir de agora, comentar à luz da doutrina juspublicista o referido acórdao.
-> No artigo 9º/1 do Código de processo nos tribunais administrativos (doravante, C.P.T.A.) consta um principio geral relativo à legitimidade, o qual sofre uma adaptação quando está em causa a propositura de uma acção administrativa especial ( e à respectiva providência cautelar), na medida em que a legitimidade activa alarga-se àquele sujeito que não é titular da relação material controvertida , sendo necessário que o autor alegue um interesse directo e pessoal na impugnação do acto administrativo. (55º/1a )CPTA). Portanto, há a possibilidade daquele que não é titular da relação material controvertida poder propor uma acção deste tipo, bastando alegar que é titular de um interesse directo e pessoal e de que este foi lesado por aquela relação.
Os autores (Municípios do Fundão e da Covilhã) pedem a impugnação do acto pelo facto de se ter verificado uma violação aos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (85º/1a ) CPTA). Portanto, o 55º/1 a) CPTA, lido e interpretado à luz do seu artigo 9º/1 atribui legitimidade activa para impugnar um acto administrativo a quem tenha um interesse directo e pessoal em agir, independentemente de ser ou não titular da respectiva relação jurídica controvertida (Tese confirmada pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 29 de Outubro de 2009). Cumpre-nos, agora, precisar a expressão “interesse directo e pessoal”, que o artigo 55º/1 a ) do CPTA estabelece. No entendimento do Professor Vieira de Andrade, a “acção particular” prevista no artigo 55º/1 a) do CPTA, pode ser intentada por quem alegue ser titular de um potencial benefício, isto é, quem retirar imediatamente da anulação ou declaração de nulidade um qualquer benefício específico para a sua esfera jurídica.
No mesmos sentido, o Professor Mário Aroso de Almeida, em
“ O novo regime do processo nos tribunais administrativos” afirma que “só o carácter pessoal do interesse diz verdadeiramente respeito ao pressuposto processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legítima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move no processo. Já o carácter directo do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, trata-se de saber se esse interesse é actual, no sentido de que existe uma situação efectiva de lesão que justifique a utilização do meio impugnatório.”
Cabe ainda referir que o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva demarca-se da doutrina dos Professores citados anteriormente. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, o que está em causa no artigo 55º/1 a) do CPTA é o exercício do direito de acção por privados que defendem os seus interesses próprios mediante a alegação de uma “titularidade de posições subjectivas de vantagem” em face da Administração Pública. O “interesse pessoal e directo” corresponde ao direito subjectivo em sentido amplo, rejeitando o Professor a distinção tradicional tripartida que separa direitos subjectivos em sentido restrito, interesses legítimos e interesses difusos, ou os denominados direitos de 1ª, 2ª e 3ª categoria. Quando a norma do artigo 55º do CPTA refere “interesses directos e pessoais” tal significa que gozam da acção para defesa de interesses próprios todos os indivíduos que demonstrem ser titulares de uma posição jurídica de vantagem, ou sejam parte na relação material controvertida. Isto porque, o carácter pessoal e legítimo do interesse é uma mera decorrência lógica do direito subjectivo que o particular faz valer no processo.
O interesse é pessoal, porque o particular alega ser titular de um direito que se encontra na sua esfera jurídica e que foi lesado por uma conduta ilegal da Administração, e é legítimo porque esse direito lhe foi conferido pelo ordenamento, através de uma norma atributiva de um direito, ou através da imposição, em seu benefício, de um dever à Administração.
Ao reportarmo-nos ao caso que consta no acórdão em análise constatamos que, o Município da Covilhã e o Município do Fundão têm, de facto, um interesse pessoal e directo, nos termos do artigo 55º/1 a ) do CPTA e, portanto, o recurso jurisdicional interposto pelos mesmos para o TCA-Sul teve todo o fundamento.

Ana Cristina Aguiar.
Nº17126. Subturma4

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