segunda-feira, 18 de abril de 2011

Actos Administrativos Internos impugnáveis?

Existindo uma pluralidade de órgãos e relações internas, torna-se possível que surjam, no seio das pessoas colectivas, litígios inter-orgânicos.
Estes litígios podem ser de dois tipos:
a)      Litígios provocados por um acto que um órgão pratica na direcção de um terceiro mas que origina uma lesão nos direitos de outro órgão da mesma pessoa colectiva (relação triangular).
b)      Litígios ocorridos no contexto de uma relação jurídica entre dois órgãos da mesma pessoa colectiva, sem intervenção de terceiros (relação dialógica).

A resolução destes litígios passará pela impugnação do acto administrativo que lhes deu origem.
Sendo a acção administrativa especial destinada à resolução de litígios emergentes da prática de actos administrativos (art. 46º CPTA), cumpre apreciar os pressupostos que devem estar preenchidos para que o acto possa ser impugnado.
Tendo em conta o princípio geral do art. 51º/1 CPTA, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa e aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, ainda que inseridos num procedimento.
Surge aqui o principal problema: os litígios inter-orgânicos podem ter origem em actos individuais e concretos e, situando-se estes litígios no plano das relações jurídicas administrativas internas, os actos aí praticados são assim actos internos.
Como poderão estes actos respeitar o requisito da eficácia externa?
O art. 51º/1 do CPTA parece que pretende limitar a esfera dos actos impugnáveis aos que são os verdadeiros actos administrativos, os actos dotados de eficácia externa. Mas, o mesmo artigo assegura a possibilidade de a dimensão externa existir mesmo em actos inseridos num procedimento administrativo. Mais: enuncia apenas um princípio geral, nada estabelece quanto à hipótese de não haver eficácia externa.
Partindo da legitimidade atribuída aos órgãos, poder-se-á dizer que é possível a impugnabilidade de actos internos: a impugnação destes actos deve ser feita ao nível dos tribunais administrativos, como dispõe o art. 4º/1 j) do ETAF e têm legitimidade para impugnar actos administrativos os órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva (art. 55º/1 d) CPTA). Também o art. 10º/6 do CPTA, que consagra uma regra geral de legitimidade passiva, dispõe que nos litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva, a acção é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio. Das normas que regulam o pressuposto de legitimidade não resulta qualquer qualificação do acto administrativo. A conjugação do art. 51º/1 e do art. 55º/1 d) do CPTA consagraria a hipótese de impugnação de actos inter-orgânicos apenas com eficácia externa. Contudo, não parece que o CPTA queira apenas contemplar os actos dirigidos a terceiros, adoptando um conceito alargado de acto administrativo que pode incluir os actos internos.
Este critério parece não ser suficientemente convincente ou esclarecedor, mas a interpretação do art. 51º/1 do CPTA terminará com todas as dúvidas.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, existe uma autonomia entre os dois critérios presentes no art. 51º/1, sendo a redacção do artigo uma mera infelicidade do legislador. Assim, o critério da susceptibilidade de lesão de direitos e interesses não é uma mera especificação mas um critério autónomo. O art. 54º prova exactamente que os actos, para que sejam impugnados, não necessitam de eficácia externa desde que tenham um efeito lesivo: “Um acto administrativo pode ser impugnado, ainda que não tenha começado a produzir efeitos jurídicos (…)”. É com esta opção que o CPTA respeita a consagração constitucional do art. 268º/4.

E são os órgãos da pessoa colectiva titulares de direitos?

Um órgão é uma figura organizatória dotada de uma competência; a competência é o conjunto de poderes afectos aos órgãos para prossecução dos fins ou atribuições da pessoa colectiva a que pertencem.

No âmbito das relações externas, os órgãos não são titulares de direitos e interesses próprios, mas já o são no espaço interno da pessoa colectiva. São sujeitos de direito, titulares de poderes e deveres jurídicos. As competências do órgão são assim, neste plano, os seus direitos subjectivos. O direito aqui implicado é o direito do órgão ao exercício da sua competência sem impedimentos ou perturbações de outros órgãos.
Em princípio, a lei não afecta competências com vista a proteger qualquer interesse do órgão em exercê-las. Mas, para que os conflitos não sejam resolvidos em sede de hierarquia, o órgão tem que ser independente e autónomo, é necessário que haja um núcleo de interesses específicos numa determinada categoria.
Sendo o órgão independente, autónomo e afectado no exercício das suas competências, é-lhe possível impugnar um acto administrativo, mesmo que interno, desde que este lese, ou seja susceptível de lesar, os seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Em suma, o reconhecimento de uma subjectividade jurídica limitada, que confere aos órgãos a titularidade de direitos subjectivos a partir das suas competências, permite admitir a existência do In-sich-Prozeb (processo contra si mesmo) para não deixar desprotegidos interesses no interior das pessoas colectivas.

Cadernos de Justiça Administrativa, nº35, Set-Out 2002
Princípio da justiciabilidade dos litígios inter-orgânicos
Pedro Gonçalves

O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise
Vasco Pereira da Silva

Catarina Lopes nº17934

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