segunda-feira, 18 de abril de 2011

As Posições Subjectivas dos Particulares face à Administração: Direitos Subjectivos e Interesses Legalmente Protegidos?

As Posições Subjectivas dos Particulares face à Administração: Direitos Subjectivos e Interesses Legalmente Protegidos?

Âmbito
Diz-nos o art. 266º da CRP que o fim supremo da Adimistração Publica (AP) é a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos. Ora, no domínio do direito administrativo substantivo, mas também no domínio do direito adjectivo, torna-se importante perceber a diferença entre estas duas “categorias” de protecção que a Constituição impõe à Administração.
Sobre esta distinção, horas de tempo de escrita foram perdidos, principalmente pela doutrina e jurisprudência italianas, visto que, atendendo à divisão (a famosa  “doppia tutela”), no direito processual administrativo italiano, entre Giurisdizione Ordinaria (para a defesa de direitos subjectivos) e a Giurisdizione Amministrativa (para a defesa de interesses legalmente protegidos), os critérios de distinção entre estas duas posições jurídicas eram/são da máxima importância visto que moldam a legitimidade do particular para reagir contenciosamente à violação da sua posição jurídica.
Face a esta importância, no Direito Comparado, desta distinção, será importante perceber se ,em Portugal, ainda faz sentido a distinção entre estas duas classes de direitos ou se como diz VASCO PEREIRA DA SILVA, eles são fruto de ”uma distinção anacrónica e inútil”.


  As Teorias explicativas da natureza das Posições Substantivas dos Particulares
Examinaremos neste ponto, em linha com a exposição de VASCO PEREIRA DA SILVA (“Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, págs. 84-121) as teses  explicativas das posições dos particulares, dando especial destaque às que dualizam entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, tal como a nossa Constituição.
a)                      A primeira explicação sobres este ponto deve-se à doutrina francesa tradicional HAURIOU e LAFERRIÈRE, entre outros. Segundo esta posição não exite um interesse pessoal dos cidadãos. O que poderá existir, e que legitimará uma acção de anulação de um acto, é um interesse de facto do particular na tutela de um interesse público, por esse particular ter também, coincidentalmente, um interesse directo na impugnação. O particular é aqui, nas palavras de Giucciardi um servidor do processo e não um directo beneficiador dele. Esta solução é facilmente negada pelo autoritarismo da AP que dela emana.
b)                      As posições substantivas dos particulares resumem-se a um direito à legalidade ou um direito reflexo para os quais os cidadãos têm legitimidade para invocar num processo (MARCELO CAETANO, BONNARD). Está aqui em causa a escola subjectiva francesa.
c)                      A teoria dualista: diferença entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos. Esta teoria, tal como as dualistas que se seguem, tem forte inspiração na doutrina italiana (ZANOBINI, SANDULLI) pelos motivos invocados supra, e é por nós seguida por FREITAS DO AMARAL que classifica as posições em análise da seguinte forma (“Curso de Direito Administrativo”, Vol. II , pág. 65): direito subjectivo é “um direito à satisfação de um interesse próprio”, protecção essa  que é “directa e imediata”, proveniente da lei, no confronto com a Administração; no interesse legalmente protegido o que existe é “um direito à legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio”, sendo que, esta protecção, apesar de imediata “é, no entanto, indirecta, de segunda linha” Analisaremos de seguida esta teoria.
d)                      A segunda teoria dualista, cujo principal autor é MARIO NIGRO, parte da mesma distinção mas com noções diferentes.  A distinção para este autor italiano está no facto de no direito subjectivo se tratar de uma situação em que o direito poderser oponível sem intervenção do poder administrativo enquanto que nos interesses eles só podem ser protegidos com a actuação da AP. Também analisaremos melhor esta posição se seguida
e)                      Teoria do direito subjectivo activo e do direito subjectivo reactivo (Kornprobst, Laligant)
f)                       Categoria unitária das situações jurídicas dos particulares: a dos direitos subjectivos (VASCO PEREIRA DA SILVA, BACHOF e a doutrina alemã em geral). Esta doutrina tem por base a teoria da norma de protecção (Schutznormtheorie) de BUHLER. Através dela, e nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA (“Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, cit., pág. 112), “o indivíduo é titular de um direito subjectivo em relação à Administração, sempre que, de uma norma jurídica que não vise, apenas, a satisfação do interesse público, mas também a protecção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional ou, ainda, quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto, decorrente de um direito fundamental.”


Teorias Dualistas

Examinaremos neste ponto as duas teorias dualistas que contrapõem direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos
Como já foi dito, as teorias dualistas, provenientes do Contencioso Administrativo Italiano e da dualidade de jurisidições impostas pela  “Legge Crispi del 1889”, encontraram eco em outros países como o nosso, em que várias normas contituicionais e ordinárias (v.g. 266º CRP; 124º 1- a) CPA; 55º 1- a)) consagraram os termos “direitos subjectivos” e “interesse legalmente protegidos”. Analisemos portanto melhor as duas doutrinas dualistas:
a)                      A teoria dualista clássica, cujos conceitos já foram explicados supra, parte do príncipio que os interesses legalmente protegidos são posições jurídicas dos particulares em que, nas palavras de FREITAS DO AMARAL, “ o particular apenas pode pretender (que) uma eventual decisão desfavorável ao seu interesse não seja tomada ilegalmente”. Desta posição resulta que os autores que a defendem acabam por ter um entendimento semelhante a HAURIOU, visto que, está presente uma ideologia assente no facto de o interesse do cidadão ser uma posição absolutamente subordinada à AP e aos seus interesses, a não ser que ele fosse titular de um direito subjectivo que directa e imediamente lhe concedesse protecção. Nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA (“Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, cit., pág. 107), “ Se os interesses legítimos são, tal como os seus defensores o afirmam, posições jurídicas substantivas, eles não podem ser definidos como sendo o resultado de uma protecção ocasional por uma norma, como os interesses de facto”.
b)                      A teoria dualista “revista” parte das críticas e considerações de NIGRO sobre a completa insensatez da teoria clássica sobre o contéudo material da noções dadas. Começando por fazer uma crítica à concepção de que a protecção dos particulares não poderá ser um reflexo da prossecução do interesse público, Nigro põe em causa a distinção atendendo ao carácter directo e indirecto da protecção dizendo que (“Giustizia Amministrativa”, pág. 100) se tivermos em conta a distinção entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos atendendo apenas à sua protecção directa e indirecta, eles não se diferenciam visto que ambos “sono costituite da interessi intenzionalmente protetti dall’ ordinamento”. Para NIGRO, a única possível diferenciação entre estas duas posições é o modo de protecção do interesse material, quer pela sua consistência quer pela própria forma de protecção (apesar de também entender que estas duas posições se diferenciam quanto ao modo de individualização e quanto ao momento do nascimento das duas situações jurídicas). Disto resulta que a diferença entre estes direitos é que enquanto no direito subjectivo a tutela do interesse do particular é dada através da norma, nos interesses legalmente protegidos, a protecção é tutelada pela limitação dos poderes da administração e pela participação do particular através do Procedimento Administrativo. Daí que NIGRO defina “interesse legittimo” como (“Giustizia Amministrativa”, cit. pág. 102) “ a posição de vantagem de um sujeito, que consiste na atribuição, ao mesmo, de poderes para influir  sobre o correcto exercício do poder, de modo a conseguir fazer valer a sua posição em relação a uma utilidade, objecto do poder administrativo”. Também esta tese tem argumentos contra que poderão ser invocados, designadamente: em primeiro lugar esta tese, tal como a clássica, reportam-se e têm mais afinidade com o modelo contencioso italiano em que a discussão destas questões estão intimamente ligadas com os meios de tutela judiciais (apesar de, com o evoluir do tempo, com a reforma do contencioso administrativo de 2000, a jurisprudência da Cassazione e com o alargamento dos poderes jurisdicionais do Consiglio di Stato, esta discussão tenha perdido o interesse dogmático de outrora bem como aplicação prática), ao contrário do caso português e dos restantes países europeus continentais, em que é da competência dos Tribunais Administrativos o julgamento dos processos em que esteja em causa uma relação administrativa, independentemente da posição substantiva do particular ; em segundo lugar, e como bem observa VASCO PEREIRA DA SILVA, no Estado (Pós-)Social em que a postura da AP é prestadora e construtiva e já não tanto agressiva, “não parece,(...),que se possam desligar, totalmente, os direitos subjectivos da actividade da Administração”, sendo que a consideração de que só os interesses é que põem em causa o relacionamento com o “Procedimento”, com o exercício do poder administrativo, é pouco líquida.


A Teoria da Norma de Protecção

Já atrás se disse que esta teoria parte de uma tentativa de unificação das posições jurídicas substantivas dos particualres, em relação à AP, na categoria de direitos subjectivos, este tido não na acepção dos direitos subjectivos das teorias dualistas, mas sim num conceito-quadro de direitos subjectivos enquanto posições jurídicas de vantagem.
Segundo BACHOF, (“Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, cit. pág. 97) “No direito público, uma posição jurídica têm lugar quando nos encontramos perante uma norma que cria um dever, “uma vez que, aqui, diferentemente do direito privado, o dever jurídico não corresponde, em regra, a uma pretensão jurídica de um sujeito determinado.””. Ora, em presença de uma norma atribuitiva de um dever à AP, é preciso verificar se ela preenche as condições para que possa ser classificada enquanto um direito subjectivo (“Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, págs. 112-114):
a)                      A AP tem de estar vinculada a um dever e ao seu cumprimento visto que a medida do direito corresponde à medida da vinculação. Em caso de poder discricionário, o direito do particular só existe em relação aos seus aspectos vinculados.
b)                      Esse dever tem de estar determinado, em benefício de pessoas determinadas ou determináveis, i.e., tem de visar a prossecução, não só do interesse público mas também dos interesses particulares (artg. 266º CRP)
c)                      É necessária, que para a garantia da posição substantiva de vantagem, seja garantido a possibilidade de recurso contencioso (artg. 268º 4- CRP)
Além destes requisitos, quando está em causa um Direito Fundamental e em virtude do Príncipio da Aplicabilidade directa dos Direitos Fundamentais(artg. 18º 1- CRP), a mera lesão de um mero benefício equivale, à lesão de um direito subjectivo.
Através desta teoria os seus defensores reclamam uma maior protecção dos particulares. De facto, a defesa de uma teoria dualista, equivale a dizer que existem direitos “de primeira” e “de segunda”, algo que não se justifica, visto que, num Estado de Direito Democrático o particular não pode ver reduzida a possibilidade de defesa do seu direito face à Administração em virtude de uma pretensa distinção de grau, da sua posição jurídica.


Razões de distinção? Resposta da Doutrina

Chegados a um ponto em que já se deu a conhecer as várias posições acerca desta matéria a doutrina em geral reconhece que esta temática já não alcança grande relevância normativa:
De facto, FREITAS DO AMARAL, apesar de ser partidário da distinção, reconhece que não existem hoje diferenças muito significativas no regíme jurídico entre estas duas figuras.
Também VASCO PEREIRA DA SILVA, que adere à posição una dos direitos subjectivos, reconhece que, apesar de já não se justificar a distinção clássica destas duas posições, sendo elas mesmas ainda um fruto da aclamada “infância díficil” do Contencioso Administrativo e de uma incorrecta importação destes termos para o Direito Administrativo português, a razão da distinção tem um alcance dogmático no sentido de que, apesar de ter como assente que ambos têm uma natureza idêntica enquanto direitos subjectivos, o seu conteúdo poderá ser diferente, razão pela qual, a sua distinção ainda tem algum interesse academicamente.
Já VIEIRA DE ANRADE (“A Justiça Administrativa”, pág. 68) acaba por, apesar de aderir à posição unitária, contrapor as posições jurídicas subjectivas (direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos) a uma outra categoria denominada interesses simples ou de facto. Esta posição é também parcialmente sufragada, de um ponto de vista não muito claro por FREITAS DO AMARAL, sem deixar no entanto, de aderir à posição base explícitada supra.


Posição e Conclusões

Chegados ao fim desta pequena exposição, cabe tomar posição. De facto, reconheco que esta problemática tem hoje, um alcance prático e normativo muito pouco expressivo. Apesar de o legislador continuar, em lei ordinária, a consagrar esta distinção, em vez de usar uma fórmula mais vasta de direitos subjectivos como sugere VASCO PEREIRA DA SILVA, devemos entendê-la como um conceito único de posições substantivas.
No entanto, esta pretensa distinção de conceitos, não deixa de ter um alcance conceptual interessante, se pensarmos na evolução histórica do Contencioso Administrativo em geral: desde a consagração dos primeiros direitos subjectivos dos particulares, à defesa da legalidade de actos discricionários da Administração, à consagração de meios de tutela jurisdicionais das posições substantivas dos particulares e finalmente com a conclusão de que, independentemente da posição do particular ser mais ou menos “forte”, o direito à tutela jurisdicional efectiva terá de ser sempre garantida da mesma maneira, em virtude do príncipio do Estado de Direito.
Adiro, assim, à posição de VASCO PEREIRA DA SILVA (“O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, cit., pág. 270) : “independentemente da técnica jurídica utilizada, encontramo-nos sempre perante posições substantivas de vantagem, destinadas à satisfação de interesses individuais(...)”.



Bibliografia:
ALDO TRAVI, “Lezioni di Giustizia Amministrativa”, 5ª Edição, G. Giappichelli Editore, 2002
DIOGO FREITAS DO AMARAL, “ Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 2001
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa”, 10ª Edição, Almedina, 2009
MARIO NIGRO, “Giustizia Amministrativa”, 5ª Edição, Il Mulino, 2000
VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª Edição, Almedina, 2009
VASCO PEREIRA DA SILVA, “Para um Contencioso Administrativo dos Particulares”, Almedina, 1989



Lourenço Xara-Brasil Pessoa Fragoso
4ºAno Dia, ST 4
Nº 17400

Sem comentários:

Enviar um comentário