segunda-feira, 23 de maio de 2011

Declaração de Ilegalidade por Omissão e Processo por Incumprimento

Paralelismo entre contencioso administrativo nacional e contencioso da União Europeia

No contencioso administrativo português a declaração de ilegalidade por omissão não é mais que um mecanismo processual destinado a reagir contra omissões ilegais de emissão de regulamentos, análogo ao da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, e encontra-se previsto no art. 77º/1 CPTA.

A omissão do dever regulamentar pode-se verificar:
• Estando em causa regulamentos de execução, que visam completar e desenvolver uma concreta lei;
• Regulamentos autónomos ou independentes em que a administração possui uma maior margem de conformação normativa (cumprimento de um dever legal).

Verificada a existência de um dever legal, e sendo a ilegalidade decorrente da omissão do cumprimento, a sentença a proferir terá um efeito meramente declarativo, dando conhecimento à entidade e fixando um prazo para que a omissão seja suprida – art. 77º/2 CPTA.

Discute-se na doutrina se a sentença deverá de facto ter um efeito meramente declarativo ou um efeito cominatório.

Para Mário Aroso de Almeida, a sentença deve ser de condenação e não meramente declarativa ou se simples apreciação.

Para Vasco Pereira da Silva, o reconhecimento de um dever regulamentar com possibilidade de condenação da administração não põe em causa o princípio da separação de poderes, invocado tantas vezes em favor do efeito meramente declarativo.

A situação pode ser dual:
1) Existência de um dever legal de emissão de regulamento, na qual o tribunal se deve limitar à condenação da emissão do regulamento;
2) Existência de um dever legal de emissão combinado com a obrigatoriedade de o regulamento possuir um determinado conteúdo, pré-determinado pelo legislador, a partir do qual a sentença será de condenação na emissão do regulamento com determinado conteúdo.

No regime actual, defende Vasco Pereira da Silva, é ainda possível ampliar esta eficácia cominatória, uma vez que o dever de emissão do regulamento pode ser acompanhado de uma sanção pecuniária compulsória, logo no processo declarativo, segundo a regra geral do art. 3º/2 CPTA. Mário Aroso de Almeida admite ainda, em complemento desta teoria, a possibilidade de utilização de mecanismos do processo executivo.
Assim, qualificando a inobservância do prazo para suprir a ilegalidade como um acto de desobediência em relação à sentença, poder-se-ia aplicar o art. 164º/4 d) CPTA no âmbito da execução para prestação de factos ou coisas.
Ainda aplicável seriam os art. 168º e 169º na fixação da sanção pecuniária compulsória que visa não só dissuadir estas situações como punir a administração pelo incumprimento continuado tanto do dever de emissão de regulamento como da inexecução do acórdão.

Para Vieira de Andrade, a sentença associada à fixação de um prazo deve entender-se como condenatória e não apenas como uma recomendação ou comunicação, não prevendo para este caso a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias ou a aplicação do regime de processo executivo. Neste seguimento também se inclui Rui Machete.

Em termos de legitimidade o art. 77º/1 limita-se a repetir o art. 9º, regra geral da legitimidade na acção administrativa, não pretendendo estabelecer um regime particular, o que significa que a alegação de ‘prejuízo’ corresponde a uma posição jurídica subjectiva do particular, respeitando o art. 268º/5 da Constituição, lei fundamental.

É possível através desta análise sumária do processo de declaração de ilegalidade por omissão estabelecer um paralelismo com o processo por incumprimento, mecanismo contencioso utilizado no Direito da União Europeia

O processo por incumprimento no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), já com as alterações perpetradas pelo Tratado de Lisboa, encontra-se previsto nos arts. 258º, 259º e 260º.

O processo por incumprimento refere-se à acção proposta contra um Estado-Membro que não cumpriu as obrigações previstas no direito da União. Embora a norma se refira a direito dos tratados, entende-se que engloba não só direito originário mas também derivado, tornando-se muito mais abrangente.
O incumprimento tanto pode resultar de um comportamento positivo como de uma abstenção. Fala-se em incumprimento por acção quando um determinado acto interno é praticado em desconformidade com o direito da União. Diferentemente, no incumprimento por abstenção existe uma omissão do Estado no seu dever de adoptar um certo acto ou mesmo medidas de execução para a eficácia do acto.

A entidade nacional responsável pelo incumprimento é o próprio Estado, no seu conjunto, independentemente da pessoa colectiva pública ou órgão cuja acção ou omissão esteja na origem do incumprimento.

Este processo pode ser iniciado pelo Comissão contra um Estado-Membro ou por um Estado-Membro contra outro Estado-Membro. Embora a tramitação processual sofra ligeiras variações consoante a entidade que inicia o processo, o Estado é sempre convidado a agir para suprir a omissão ou alterar o acto que incumpriu o direito da União.

Caso o Estado não cumpra, a Comissão deve elaborar um parecer fundamentado sobre a questão, que mesmo que seja negativo ou não seja emitido permitirá sempre o recurso ao Tribunal de Justiça.

Tendo em conta o art. 260º do TFUE, se o incumprimento consistir numa omissão por parte do Estado, é essa omissão que é declarada contrária ao Tratado e surge uma obrigação por parte do Estado em adoptar as medidas necessárias à execução do acórdão. O Tribunal de Justiça não deve indicar no acórdão as medidas específicas que o Estado deve adoptar para pôr fim ao incumprimento nem tão pouco pode condenar o Estado ao pagamento de uma indemnização. Este acórdão do Tribunal de Justiça tem efeito meramente declarativo.

Contudo, em caso de inexecução voluntária deste primeiro acórdão é admitida uma segunda acção por incumprimento, que pode originar a aplicação de sanções ao Estado-membro infractor.

No direito da União é possível a cumulação de sanções pecuniárias compulsórias e fixas. O tribunal cumulou uma sanção pecuniária de quantia fixa com uma sanção pecuniária de quantia progressiva no caso Comissão vs França, com o fundamento no facto de que esta era a resposta mais adequada à inexecução do acórdão anterior e à situação de incumprimento continuado.

Assim, e fazendo uma síntese de aproximação dos dois meios contenciosos face ao exposto, poder-se-á concluir:
  •  Em ambos os mecanismos existe uma omissão (no caso do direito da União apenas se atenta ao processo por incumprimento por abstenção) por parte de uma entidade (Estado ou Administração Pública) em cumprir um acto que se mostra necessário à execução ou continuidade de outros actos posteriores, sejam eles derivados de regulamentos ou Tratados;
  •  Em ambos os casos a primeira decisão é sempre declarativa, um convite a cumprir, a suprir a omissão;
  •  Em ambos os casos, para que o cumprimento seja efectivado, é possível recorrer à aplicação de um regime executivo de sanções pecuniárias compulsórias ou fixas;
  •  Em ambos os casos, não devem ser indicadas medidas específicas a adoptar para suprir a omissão. Contudo, e sobretudo no caso do processo por incumprimento, o Tribunal, ao declarar verificado o incumprimento, acaba por definir o que o Estado deve fazer, embora em termos abstractos.

Em que diferem?
  • Para além do procedimento seguido ser necessariamente diferente, no caso do direito da União Europeia, o primeiro acórdão tem um efeito meramente declarativo, sendo que as sanções pecuniárias apenas poderão surgir no âmbito de um segundo acórdão que as decretará por incumprimento ou inexecução do acórdão anterior. No contencioso administrativo nacional há apenas um processo, que fornece à administração um prazo para cumprir mas que acarreta já um efeito condenatório, podendo ser imediatamente decretadas as sanções a aplicar em caso de incumprimento.
  • Os processos diferem ainda no que respeita à legitimidade: enquanto no contencioso nacional a legitimidade reporta-se a um interesse subjectivo particular, no contencioso da União Europeia, focando essencialmente a acção da Comissão, não existe um interesse da própria no cumprimento por parte dos Estados-Membros mas antes um dever de agir no interesse geral da União, velando pela aplicação do seu Direito.


Contencioso da União Europeia
Fausto de Quadro e Ana Maria Guerra Martins

O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise
Vasco Pereira da Silva

A Justiça Administrativa
José Carlos Vieira de Andrade

Catarina Lopes Nº17934

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