segunda-feira, 23 de maio de 2011

Legitimidade activa para a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias

A lei, em concretização do previsto no art. 20.º n.º5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) - para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos – veio consagrar na secção II do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) a figura da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Esta protecção estende-se também aos direitos que têm natureza análoga aos indicados.

A utilização deste meio urgente justifica-se, pois estão em causa a violação ou a ameaça a estes direitos e por isso há necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito por parte do Tribunal, que imponha a adopção de uma conduta à Administração que se revele indispensável para evitar a lesão dos mesmos, de acordo com o estabelecido no art. 109.º n.º1 do CPTA.

No que respeita à legitimidade activa para a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias podemos encontrar na doutrina posições distintas.

CARLA AMADO GOMES (1) considera que o art. 20.º n.º5 da CRP, implicitamente, protege interesses individuais, estando em causa a violação ou ameaça a bens de disponibilidade exclusiva do seu titular, ou seja, a direitos de natureza pessoal. Assim, a conduta positiva ou negativa a ser imposta pelo Tribunal somente tem repercussões no ofendido, que viu a sua esfera jurídica ameaçada ou violada.

Por sua vez, VIEIRA DE ANDRADE (2), seguido também por SOFIA DAVID (3), defendem que não só são os titulares de direitos, liberdades e garantias e de natureza análoga, que têm interesse directo e pessoal em demandar e que titulam posições jurídicas subjectivas, que podem requerer a intimação para a protecção. A mesma medida pode ser requerida no exercício da acção popular e nesse âmbito também pelo Ministério Público. Segundo o art. 9.º, n.º2 do CPTA, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais. Deste modo, a acção popular permite que ao estarem em causa interesses difusos, que para alguns autores, como VASCO PEREIRA DA SILVA (4), se reconduzem a direitos subjectivos públicos, possa ainda ser usado o mecanismo previsto no art. 109.º n.º1 do CPTA.

CARLA AMADO GOMES, por outro lado, não identifica direitos subjectivos com interesses difusos, pois estes últimos correspondem a interesses colectivos que só são satisfeitos “numa perspectiva comunitária”, não individual, pois são de “conteúdo subjectivamente indeterminável, em razão da inapropriabilidade” dos bens colectivos. Por isso, defende a autora, que o art. 20.º n.º5 da CRP só acolhe posições jurídicas subjectivas evidentemente identificadas e as que o não forem, podem ser objecto de tutela cautelar.

A autora, contudo, contrariando a sua posição inicial de que ao Ministério Público “não é reconhecida legitimidade para intervir, pela via da acção pública” (5), vem agora admitir que este possa, exclusivamente quando estejam em causa pedidos relativos à prática do acto legalmente devido pela Administração, requerer a intimação, pois são evidentes a violação da legalidade objectiva e a necessidade de tutela urgente, podendo este processo urgente ser tramitado nos termos da acção administrativa especial, de acordo com o art. 110.º n.º3 do CPTA. Mais que este requerimento é para CARLA AMADO GOMES vedada a intervenção do Ministério Público no âmbito da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.




 
(1) Gomes, Carla Amado, Intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, in Revista do Ministério Público, nº104, 2005
(2) Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Almedina, 2011
(3) David, Sofia, Das Intimações, considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no código de processo nos tribunais administrativos, Almedina, 2005
(4) Silva, Vasco Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, 2003
(5) Gomes, Carla Amado, Pretexto, contexto e texto da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. V, 2003

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