quarta-feira, 25 de maio de 2011

A sentença no processo administrativo



Nos termos da lei processual civil, uma sentença é um acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. Nesta sede, interessam-nos as sentenças que se tenham pronunciado sobre o mérito da causa e não as sentenças meramente formais (por exemplo, que tenham posto termo ao processo por falta de pressupostos processuais) ou que decidam meros incidentes processuais.
Face ao princípio da atipicidade do pedido incorporado na reforma do contencioso administrativo, as sentenças proferidas por tribunais administrativos encontram-se, de certa forma, próximas às sentenças proferidas nos tribunais comuns.
Tendo em consideração o pedido formulado, poder-se-ão classificar as sentenças proferidas no contencioso administrativo como sentenças de simples apreciação (veja-se por exemplo, uma sentença de provimento de um pedido impugnatório em que exista a declaração de invalidade de um acto da Administração), constitutivas (por exemplo, uma sentença que determine a invalidade retroactiva de actos de autoridade) e condenatórias (por exemplo, uma sentença que incorpore a intimação da Administração para um comportamento ou para a prática de um acto administrativo). Existem ainda, como categoria autónoma, as sentenças de execução, que embora sejam proferidas em sede de processo executivo, têm os efeitos tradicionais do processo declarativo (existem sentenças de execução com efeitos condenatórios, declarativos, constitutivos ou substitutivos).
Com a reforma do contencioso administrativo e a possibilidade de cumulação de pedidos, a sentença administrativa tem a potencialidade de reforçar a tutela judicial efectiva dos direitos dos interessados (por exemplo, através da anulação de um acto administrativo com a condenação à prática de acto devido).
Tal desiderato não era alcançado com o modelo anterior em que a sentença anulatória se limitava a declarar a invalidade do acto impugnado, sendo o seu efeito directo e imediato a sua eliminação da ordem jurídica.
É preciso notar que não obstante todo o conteúdo da reforma do contencioso administrativo, não é obrigatório cumular o pedido de anulação de um acto administrativo com o pedido de condenação à prática do acto devido ou da reconstituição da situação hipotética actual.
Existe, assim, ao nível da tutela judicial efectiva dos direitos legalmente protegidos, o problema dos efeitos da sentença de provimento de um pedido impugnatório que não tenha sido cumulado com mais nenhum pedido. A esse nível, o novo contencioso administrativo veio consagrar que “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado”.
Uma decisão de um tribunal administrativo é obrigatória para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo a mesma sobre qualquer decisão de uma autoridade administrativa.
Por outro lado, tal prevalência implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite um decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar.
A lei do processo administrativo tem como normativo a obrigatoriedade das decisões dos tribunais administrativos, daí resultando, como consequência lógica, o dever de cumprimento espontâneo pela Administração, dentro de um determinado prazo, das sentenças proferidas pelos tribunais, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
O processo executivo visa atingir e obter, pela via judicial, as providências materiais que concretizem no plano dos factos, aquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal em sede de processo declarativo.
Em função do objecto, existem três tipos de processos de execução:
a) execução para prestação de factos ou de coisas;
b) execução para pagamento de quantia certa;

c) execução de sentenças de anulação de actos administrativos.

A inexecução ilícita de sentenças proferidas por tribunais administrativos por parte da Administração envolve: responsabilidade civil, nos termos da lei geral, quer da Administração quer das pessoas que nela desempenhem funções e responsabilidade disciplinar dessas mesmas pessoas.
A inexecução ilícita poderá ainda acarretar a pena de desobediência, sem prejuízo de outro procedimento especialmente previsto na lei, quando, tendo a Administração sido notificada para o efeito, o órgão administrativo competente: a) manifeste a inequívoca intenção de não executar a sentença, sem que para tal invoque a existência de uma causa legítima de inexecução e b) não execute a sentença nos moldes estabelecidos na mesma ou nos moldes em que o tribunal venha a definir em sede de processo de execução.
Tem sido adoptado, no âmbito da jurisprudência administrativa, o princípio do duplo grau de jurisdição de mérito, o qual assegura às partes, com raras excepções, o direito ao recurso contra decisões jurisdicionais, ainda que tenham sido proferidas por tribunais superiores em 1.º grau de jurisdição.
Existem, ainda, casos em que o contencioso administrativo português admite, excepcionalmente, um duplo grau de recurso.
A legitimidade para recorrer de uma decisão é atribuída, como é natural, a quem nela tenha ficado vencido.
O Ministério Público tem legitimidade para a interposição de recurso sempre que esteja em causa a defesa da legalidade.
Além disso, o Ministério Público é notificado para intervir no processo, emitindo parecer sobre o mérito dos recursos das partes, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e de interesses públicos especialmente relevantes ou valores comunitários constitucionalmente protegidos.
Um aspecto fundamental que passa a revestir uma grande importância na identificação dos recursos que podem ser interpostos contra decisões de tribunais administrativos, prende-se com as alçadas.
Com efeito, as decisões sobre o mérito da causa que os TAC, TCA e o STA profiram em 1.º grau de jurisdição só são passíveis de recurso jurisdicional se o valor da causa for superior ao valor da alçada dos TAC (a alçada dos TCA e do STA quando decidem em 1.º grau de jurisdição é igual à alçada do TAC) .
Em todo o caso, é sempre admissível o recurso, independentemente do valor da causa, nos mesmos termos em que isso é admissível de acordo com a lei processual civil e ainda quando se trate de recorrer de decisões de improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, de decisões proferidas em matéria sancionatória ou contra jurisprudência uniformizada pelo STA e de decisões que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa.
Salvo em processos urgentes, em que o prazo de recurso é de 15 dias e todos os prazos reduzidos a metade, o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrida, devendo o mesmo ser interposto mediante requerimento com alegações, nas quais se enunciam os vícios da sentença impugnada. Em observância do princípio do contraditório, os recorridos são notificados para alegarem.
Bibliografia:
Mário Aroso Almeida – “Anulação dos actos administrativos e relações jurídicas emergentes”
Sérvulo Correia, Bernardo Ayala, Rui Medeiros – “Estudos de Direito Processual Administrativo”

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